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Opinião Joaquim Ramos: "Monsanto"

Monsanto, o de Lisboa, era apenas percorrido pelos carros que passavam pelas estradas que inevitavelmente o cruzavam e pelas prostitutas de refugo, que não tinham dinheiro para a “pensão”.
17-10-2020 às 10:31
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Estive em Monsanto uns dias. Não aquele Monsanto pulmão de Lisboa que conheci durante tantos anos e sobre o qual tive alguma responsabilidade. Especialmente em abri-lo ao público, dotá-lo com infraestruturas amigas do Ambiente, sim, mas atrativas ao lisboeta comum. Sou do tempo em que preservar o Ambiente era esconder, proibir que se usufruísse. Era o tempo em que Ecologia era sinónimo de não. Não se podia fazer nada porque não, pronto.

Monsanto, o de Lisboa, era apenas percorrido pelos carros que passavam pelas estradas que inevitavelmente o cruzavam e pelas prostitutas de refugo, que não tinham dinheiro para a “pensão”. Tinha um código de vigilância e um rol de proibições que faziam inveja a Pinheiro da Cruz ou Vale dos Judeus. Hoje, Monsanto, o de Lisboa, está cheio de vida e, muito antes da pandemia, já milhares o procuravam para passeios de ar puro, Sábados e Domingos familiares ao ar livre, parques ecológicos e infantis, atividades diversas, modalidades variadas de desporto.

Mas eu passei uns dias no outro Monsanto, o da Beira, Concelho de Idanha-a-Nova. Um monte de pedrarias de granito que se ergueram do meio da terra e se foram amontoando umas por cima das outras. Depois, os homens aproveitaram os espaços deixados livres pelos pedregulhos gigantes e, recorrendo ao que mais havia na região – a pedra- acrescentaram paredes de blocos de granito, utilizaram os pedregulhos como uma parede de casa, outros como teto e assim se construiu uma aldeia onde a paisagem natural se confunde com a intervenção do homem e que foi considerada a aldeia “mais portuguesa de Portugal”. Num concurso organizado ainda no tempo do Estado Novo, que em quarenta e tal anos teve tempo e engenho para organizar apenas um concurso desses. Agora organizam-se quarenta e tal por ano sobre o mesmo tema ou temas parecidos.

Estive numa casa pequena de pedra, com um pedregulho a entrar por ela dentro quer na sala com kitchinette do rés-do-cão, quer no quarto com casa de banho, todo em madeira, por onde se sobe por uma escada. O dono mora ao lado. É professor universitário, mas foi marinheiro. Apaixonou-se por Monsanto e desatou a comprar casas velhas e ficou a viver por lá. Reconstruiu-as ele próprio, com as suas mãos e reconstruiu-se a si próprio. Mudou de vida e veio viver para Monsanto. É duma cultura estonteante: sabe falar sobre tudo. É duma diversidade desconcertante: tanto o via a passar no carro para a faculdade de ciências em Lisboa, como no dia seguinte com umas calças de ganga rotas e uma T-shirt a carregar baldes de argamassa para a sua obra, como umas horas depois com um cesto carregado de vegetal e fruta criados na horta que ele e a mulher cultivam. Diz que a energia lhe vem das pedras, que aqueles pedregulhos emanam boas energias e até por lá apareceu um estrangeiro com um aparelhómetro para medir a energia emanada de cada calhau. Mas também vi muita dinâmica empresarial em Monsanto : pessoas que se adaptaram aos novos tempos da pandemia e abriram negócios florescentes cujo êxito se baseia em terem por origem produtos locais, respeitarem os usos e as tradições locais e reconstruirem o seu património mantendo as caraterísticas ancestrais, embora com as modernas necessidades da vida doméstica.

Não o vi só em Monsanto – embora por lá seja mais visível, dada a fama alcançada no tal concurso e a divulgação e promoção que daí adveio.

Vi-o também nalgumas das aldeias que visitei : Idanha-a-Velha, Penha Garcia, Salvaterra do Extremo e Sortelha. Há muitos anos que, ao contrário da maioria dos portugueses, não hesito em escrevê-lo, visito e faço pequenas incursões pelo interior de Portugal. Conheci esta zona há mais de quinze anos. Eram aldeias em ruinas onde praticamente só viviam velhos e velhas – mais velhas…-. Hoje continuam a ver-se ruinas e velhos e velhas mas respira-se uma dinâmica nova : há casas a serem reconstruídas, alojamentos locais, restaurantes a abrirem e outros com filas à porta, lojas que expõem e vendem produtos locais de forma inovadora. O segredo do renascimento destas aldeias da raia das Beiras é terem apostado no que é genuino: vendem peras, romãs e figos de cacto em vez de mangas ou abacates, empenham-se na construção ou reconstrução das casas com materiais e técnicas de sempre, dotam restaurantes com pratos da região, lojas com produtos culinários ou de artesanato que fazem parte da memória do seu povo. Não se ouvem por lá a palavra sushi nem shop-soi, mas há várias modalidades de cabrito, borrego e o omnipresente bacalhau rematadas com papas doces de farinha milha.

Decidiram apostar nessa estratégia de desenvolvimento e tem resultado. Particularmente neste ano de 2020, porque apareceu um agente que lhes deu um grande empurrão para que se lançassem na senda deste tipo de desenvolvimento sustentado, que começa a fixar os jovens e a atrair os citadinos : o SARS-Cov 19. Não criou só a Covid 19; deu também o grande impulso para que o interior do País se começasse a mostrar ao Turismo, mais ao nacional do que ao internacional que já de há muito lhes conhecia as potencialidades em termos de qualidade de vida – há aldeias inteiras abandonadas vendidas a holandeses, alemães e espanhóis, especialmente. Mas, este ano, foram os portugueses que, obrigados pelo “distanciamento físico e etiqueta respiratória” se abstiverem de enxamear o Algarve, entupir a Costa da Caparica e a Linha de Cascais, encher os voos low-cost. Vieram conhecer o interior de Portugal, as nossas aldeias, as nossas tradições e, com isso, dar um grande contributo para o desenvolvimento desta, bem como de outras, região interior. Quem diria que Monsanto, Salvaterra ou Sortelha deviam estar agradecidas ao Covid 19. Há males que veem por bem.

Nota: por estes dias, centenas de milhares de crianças e jovens voltam às aulas presenciais. É um grande desafio. O eterno dilema entre os que defendem o confinamento e a necessidade do regresso da Humanidade à vida comum. Alinho por estes últimos e também tenho netos na escola. Mas fui testemunha de alguns distúrbios emocionais que o convívio permanente com pais e avós provocou.

Distúrbios que espero sejam passageiros e conjunturais. Acho que vale a pena correr o risco, mas não tenhamos ilusões: vão explodir as contaminações. Felizmente acontece com este vírus o mesmo que aconteceu com os seus primos da peste negra ou da gripe espanhola : vai perdendo letalidade, como já estamos a ver. Por essa mesma razão que é a lei da vida, para sobreviver. É que não interessa nada ao vírus que o hospedeiro morra – inactiva-se ele próprio também. Faço votos para que as medidas tomadas e a prática do dia a dia causem os menores danos possíveis até o SarsCov 19 se desactivar.      

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