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Opinião Joaquim Ramos: "O Admirável Mundo Novo e os Velhos"

"Das coisas mais gratificantes da minha vida foi ter convivido, por uns tempos, no seio duma família  onde este fenómeno do afastamento dos velhos  não teve entrada. Uma família de gente humilde onde todos trabalhavam. Pai, mãe, seis filhos e o avô viúvo."
​22-09-2018 às 14:34
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Vivemos numa época de grande criatividade e efervescência em todos os campos da sociedade. Uma época verdadeiramente revolucionária em termos do conhecimento, das ciências e das artes, da organização social, das formas de que se revestem as relações entre as pessoas. Um admirável mundo novo, como é costume dizer, em tudo comparável às épocas mais notáveis pelas quais a Humanidade passou. Só para referir as mais recentes, a época dos Descobrimentos – a História do Homem fica-nos a dever essa a nós, portugueses-, mais ou menos coincidente com o início do Renascimento, o grande movimento cultural que revolucionou a Europa e o Mundo, a Revolução Industrial e toda a sequela de desenvolvimento e misérias que arrastou consigo. Mais recentemente, os anos sessenta onde, a par com galopantes descobertas científicas – cujo símbolo é a descida na Lua – se deu uma das maiores transformações sociais a que assistimos.

Eu vivi em pleno os anos sessenta. Quando se deu o Maio de sessenta e oito tinha dezassete anos, por isso acertou-me mesmo na “ mouche”!

Eu acho que a década de sessenta foi, em termos sociais, o mais criativo e libertador conjunto de dez anos pelos quais a Humanidade passou. Assim uma espécie de Renascimento concentrado em meia dúzia de anos, que afectou tudo : homens, mulheres, estatutos políticos, religiosos e sociais.

Na música passaram-se a acolher formas de música até então desconhecidas,  resumidas à música clássica, apanágio dum determinado estrato social que tinha dinheiro para ir ao São Carlos ou às grandes óperas europeias e a uma cançonetas mais ou menos populararuchas, nacionais ou estrangeiras. Apareceu o Rock, disseminaram-se os Blues, os Beatles foram os percursores de bandas em que os fans, mais que ouvintes ou espectadores, eram parte integrante do espectáculo- e que se multiplicaram em centenas e centenas de bandas até aos nossos dias.

Nas artes verificou-se um alargamento do conceito de manifestação artística – até então limitada à pintura e à escultura e a pouco mais- e, acima de tudo, democratizou-se o acesso às mais diversas expressões de arte, desde a banda desenhada até ao mural, desde a arquitectura até manifestações etnográficas que foram ganhando estatuto de património mundial.

Mas foi acima de tudo na igualdade entre sexos e na libertação sexual que as relações entre as pessoas deram uma maior reviravolta. A descoberta de meios anticoncepcionais libertou as mulheres, que passaram a poder escolher o quando, como e com quem. O acesso generalizado ao mundo do trabalho por parte das mulheres também contribuiu, naturalmente, para esta complementaridade entre sexos que se instalou, onde dantes havia dependência e a consequente subserviência.

Passámos a ter o direito às nossas opções políticas, religiosas e sexuais sem que o conceito de desobediência, penitência ou pecado se instalasse entre nós e a realidade do dia a dia. As ditaduras foram caindo e deixaram de ser moda, como generalizadamente tinham sido até então como forma mais comum de Governo. As diversas religiões entraram em declínio ou tiveram rapidamente que se adaptar à vida moderna, sob pena de desaparecerem do mapa. É curioso o que se passa com as religiões e a sua evolução nas ultimas décadas. Se observarmos bem, acompanharam as grandes mudanças sociais e as necessidades delas decorrentes – como foi o caso da Igreja Católica com os Concílios e a resposta social que deu nos anos sessenta e setenta – ou refugiaram-se em dogmas cada vez mais fundamentalistas, como forma de autodefesa – o fundamentalismo islâmico não é mais do que isso. As que seguem a primeira via expandem-se, cativam a juventude, estão na primeira linha das respostas sociais. As que seguem a segunda são lideradas por uma minoria de fanáticos e recebem o crescente desinteresse dos seus fiéis.

Nesta nova ordem mundial que decorre dos anos sessenta, o Estado, a religião, a sociedade e a própria família deixaram de ser os sacrossantos e protectores invólucros a que obedecíamos sem questionar.

Mas, como em todas os fenómenos sociais, essa vertigem de mudança que foram os anos sessenta também tiveram o seu reverso. O papel dos velhos na família e na sociedade foi um deles.
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O acesso das mulheres ao trabalho, a igualdade entre sexos, uma certa tentação de generalizar a “contestação” ao passado, fizeram com que, pela primeira vez na história da Humanidade, os velhos  passassem a ser olhados como um fardo e não uma fonte de estabilidade e sabedoria como o tinham sido até aí.

Sinto-o talvez porque começo a ficar velho e estou mais atento e desperto para os problemas da terceira idade. Não que aconteça comigo, que mantenho intacta a minha autonomia e eduquei os meus filhos no respeito pelo próximo, seja novo ou velho, da família ou estranho.

Mas sabem o que quero dizer. Lares, um mês em casa de cada um que nunca mais chega ao dia trinta e um, ora agora trato eu, ora agora tratas tu...nesta voracidade dos nossos dias, os velhos deixaram de ser vistos como uma fonte de riqueza. Talvez porque o conceito de riqueza que vivemos seja uma concepção de produção, de produtividade e eficácia a fazer coisas – e, nesse aspecto, os velhos estão em desvantagem. Mas há, felizmente, excepções e tenho esperança que a vida evolua no sentido de os velhos desempenharem na família e na sociedade o papel primordial que já tiveram.


​Das coisas mais gratificantes da minha vida foi ter convivido, por uns tempos, no seio duma família  onde este fenómeno do afastamento dos velhos  não teve entrada. Uma família de gente humilde onde todos trabalhavam. Pai, mãe, seis filhos e o avô viúvo. Que passava o dia à lareira e não andava e tinham que lhe fazer tudo. Na voragem dessa revolução social, já deveria há muito estar à espera da morte num lar mais próximo. Mas aqui passava os dias à lareira, se era Inverno, ou à fresca do patim, se era Verão e toda família- filho, nora e netos – o tratavam por “ Paizinho”. O filho era o Pai, mas ele era, para todos, o Paizinho.
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Era sempre o primeiro a ser servido e era ele que decidia se comiam uvas ou maçãs à sobremesa. Contava histórias da sua vida, ou de outras vidas que com ele tinham partilhado longos anos, e que tinham sempre no fim uma lição sobre a arte de ser vivo. Era dele a ultima palavra sobre qualquer decisão que afectasse a família ou cada um dos seus membros. Apesar de paralisado e sempre sentado ao borralho da lareira ou no degrau de fora e de terem que lhe fazer tudo.

Quero acreditar - e acredito com firmeza- que passados estes anos de turbulência social se chegará de novo a uma sociedade em que os velhos serão encarados como um membro de pleno direito da família e da sociedade, e não como uma excrescência incómoda, e uma fonte de prudência e sabedoria que de facto são, mesmo se analfabetos.

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