O Fim da Europa?
Por Joaquim Ramos
A Diabetes, tema fulcral desta edição do Valor Local, não é propriamente o meu forte. Nem em teoria, por isso não posso nem devo pôr-me para aqui em grandes meditações sobre esta ameaça que se abate sobre grande parte da população portuguesa, nem felizmente na prática, porque, até ver, safei-me dela. Ao contrário do que seria de esperar, porque a minha ascendência materna é toda ela, pela linha feminina, concebida com diabetes nos genes. Os homens têm-se safado. Os homens e a minha mãe, que era o único elemento feminino até à sua geração que se livrou dela. Mas isso é outra história, porque até morrer, com noventa anos, não houve doença que acabrunhasse a minha mãe ou lhe quebrasse o ânimo.
Por isso vou falar dum tema em que me sinto mais à vontade e que é extremamente actual. Para além de ser um assunto cujas consequências, qualquer que seja o resultado, trará mudanças importantes para a Europa e para Portugal – em última análise, para cada um de nós . Trata-se do referendo que será feito a vinte e três de Junho ( eu estou a escrever este artigo a vinte), em Inglaterra, sobre a possível saída da União Europeia, o Brexit.
Arrisco-me a prognosticar que os ingleses vão decidir permanecer – por uma pequena margem -, apenas pela intuição de que as pessoas, no momento decisivo, assumem a atitude que lhes é mais familiar e preferem manter o status quo do que lançar-se numa aventura sem fim conhecido.
Mas admito que o não possa ganhar. E tenho pena. Tenho pena porque sou um europeísta convicto e não tenho a memória curta : sei muito bem o que era um país como Portugal antes da integração e o que é hoje em dia. O “contágio” da Europa foi fundamental nas infraestruturas, na formação profissional, naquilo que contribuiu para o desenvolvimento do País não só a nível económico como das mentalidades : a não existência de fronteiras e a livre circulação que daí resultou pode ter tido os seus inconvenientes em termos de segurança e de “resguardo” dalgum património que era só nosso, mas o contacto facilitado com outras gentes e civilizações deu-nos “mundo”, uma coisa que nos faltava desde os Descobrimentos.
Com ou sem saída da Inglaterra, creio que é insustentável a manutenção da actual situação da UE. Não há efectivamente um projecto europeu, que, a ser consequente, terá que passar necessariamente por um federalismo no seu cenário final. Não há uma liderança efectiva da Europa; mesmo a senhora Merkl, a quem se exigiria, pelo poder que detem, uma visão europeia, apenas defende os interesses de quem a elege : os alemães.
Tem-se esbatido a ideia duma Europa solidária e tolerante, com o tratamento desigual que as instâncias europeias dão aos países fracos e aos seus membros mais poderosos – veja-se o escandaloso caso do deficit, cuja ultrapassagem é tolerável para a França, por ser a França, mas já não o é para Portugal. Não é esta a Europa que foi idealizada!
Depois, o curso da História tem, infelizmente, dado aso à intensificação de sentimentos nacionalistas que são contrários a uma evolução europeia no sentido da integração progressiva que nós, os europeístas, desejamos.
O falhanço das políticas de desenvolvimento, a regressão económica e os escândalos financeiros que a têm abalado dão motivo à extrema esquerda para que bombardeie a opinião pública com a sua aversão a uma convergência europeia. Basta para tanto ver o que aconteceu na Grécia, com o Syriza e em menor escala em Espanha com o fenómeno Podemos e em Portugal com a subida vertiginosa do Bloco. Os acréscimos significativos destes Partidos, que em situação normal, teriam um resultado eleitoral só com um dígito, são o exemplo claro deste desencanto com o projecto europeu.
Mas há também o extremo oposto, ou seja, neste caso a extrema oposta. A extrema direita.
A crescente sensação de ameaça representada basicamente pela expansão para a Europa do fundamentalismo islâmico e pelos atentados que têm ocorrido nos principais países europeus – França, Bélgica, Espanha, Inglaterra, Alemanha – têm criado um campo fértil para a expansão dos grupos e partidos nacionalistas de direita e extrema direita. É legítimo que, quando vemos um grupo de concidadãos europeus serem mortos em atentados bombistas, adoptemos de imediato duas atitudes primeiras no actual contexto europeu.
A primeira é uma tendência para comungar da ideia, nuclear para os partidos que nacionalistas, de que a Europa deve ser só para os Europeus e que, afinal, fomos demasiado tolerantes para com quem cá se veio meter – o que, no último caso, é parcialmente verdade, e de certeza que ninguém se atreverá a chamar-me xenófobo por ter essa opinião.
A segunda, mais grave do meu ponto de vista, é que nos faz encarar uma crise humanitária sem precedentes que faz aportar à Europa centenas de milhares ou mesmo milhões de desesperados fugidos à guerra, à fome e à intolerância religiosa do norte de África e do Médio Oriente, como uma espécie de invasão dos Mongóis, umas Cruzadas ao contrário. É legítimo que não exista uma consciência comum europeia que avalie a crise dos refugiados como aquilo que ela é – uma tragédia humana – e não como uma ameaça que nos obrigue a fechar fronteiras, erguer novos muros ou, como se corre o risco de acontecer no próximo dia vinte e três, leve algum ou alguns países a desistirem do projecto europeu? Será que vamos assistir a um retrocesso do conceito de Europa que a reduza aos calhamaços de Geografia, como nome de Continente?
Espero bem que não. Mas isso sou eu, que sou um europeísta convicto e um optimista incorrigível.
Por Joaquim Ramos
A Diabetes, tema fulcral desta edição do Valor Local, não é propriamente o meu forte. Nem em teoria, por isso não posso nem devo pôr-me para aqui em grandes meditações sobre esta ameaça que se abate sobre grande parte da população portuguesa, nem felizmente na prática, porque, até ver, safei-me dela. Ao contrário do que seria de esperar, porque a minha ascendência materna é toda ela, pela linha feminina, concebida com diabetes nos genes. Os homens têm-se safado. Os homens e a minha mãe, que era o único elemento feminino até à sua geração que se livrou dela. Mas isso é outra história, porque até morrer, com noventa anos, não houve doença que acabrunhasse a minha mãe ou lhe quebrasse o ânimo.
Por isso vou falar dum tema em que me sinto mais à vontade e que é extremamente actual. Para além de ser um assunto cujas consequências, qualquer que seja o resultado, trará mudanças importantes para a Europa e para Portugal – em última análise, para cada um de nós . Trata-se do referendo que será feito a vinte e três de Junho ( eu estou a escrever este artigo a vinte), em Inglaterra, sobre a possível saída da União Europeia, o Brexit.
Arrisco-me a prognosticar que os ingleses vão decidir permanecer – por uma pequena margem -, apenas pela intuição de que as pessoas, no momento decisivo, assumem a atitude que lhes é mais familiar e preferem manter o status quo do que lançar-se numa aventura sem fim conhecido.
Mas admito que o não possa ganhar. E tenho pena. Tenho pena porque sou um europeísta convicto e não tenho a memória curta : sei muito bem o que era um país como Portugal antes da integração e o que é hoje em dia. O “contágio” da Europa foi fundamental nas infraestruturas, na formação profissional, naquilo que contribuiu para o desenvolvimento do País não só a nível económico como das mentalidades : a não existência de fronteiras e a livre circulação que daí resultou pode ter tido os seus inconvenientes em termos de segurança e de “resguardo” dalgum património que era só nosso, mas o contacto facilitado com outras gentes e civilizações deu-nos “mundo”, uma coisa que nos faltava desde os Descobrimentos.
Com ou sem saída da Inglaterra, creio que é insustentável a manutenção da actual situação da UE. Não há efectivamente um projecto europeu, que, a ser consequente, terá que passar necessariamente por um federalismo no seu cenário final. Não há uma liderança efectiva da Europa; mesmo a senhora Merkl, a quem se exigiria, pelo poder que detem, uma visão europeia, apenas defende os interesses de quem a elege : os alemães.
Tem-se esbatido a ideia duma Europa solidária e tolerante, com o tratamento desigual que as instâncias europeias dão aos países fracos e aos seus membros mais poderosos – veja-se o escandaloso caso do deficit, cuja ultrapassagem é tolerável para a França, por ser a França, mas já não o é para Portugal. Não é esta a Europa que foi idealizada!
Depois, o curso da História tem, infelizmente, dado aso à intensificação de sentimentos nacionalistas que são contrários a uma evolução europeia no sentido da integração progressiva que nós, os europeístas, desejamos.
O falhanço das políticas de desenvolvimento, a regressão económica e os escândalos financeiros que a têm abalado dão motivo à extrema esquerda para que bombardeie a opinião pública com a sua aversão a uma convergência europeia. Basta para tanto ver o que aconteceu na Grécia, com o Syriza e em menor escala em Espanha com o fenómeno Podemos e em Portugal com a subida vertiginosa do Bloco. Os acréscimos significativos destes Partidos, que em situação normal, teriam um resultado eleitoral só com um dígito, são o exemplo claro deste desencanto com o projecto europeu.
Mas há também o extremo oposto, ou seja, neste caso a extrema oposta. A extrema direita.
A crescente sensação de ameaça representada basicamente pela expansão para a Europa do fundamentalismo islâmico e pelos atentados que têm ocorrido nos principais países europeus – França, Bélgica, Espanha, Inglaterra, Alemanha – têm criado um campo fértil para a expansão dos grupos e partidos nacionalistas de direita e extrema direita. É legítimo que, quando vemos um grupo de concidadãos europeus serem mortos em atentados bombistas, adoptemos de imediato duas atitudes primeiras no actual contexto europeu.
A primeira é uma tendência para comungar da ideia, nuclear para os partidos que nacionalistas, de que a Europa deve ser só para os Europeus e que, afinal, fomos demasiado tolerantes para com quem cá se veio meter – o que, no último caso, é parcialmente verdade, e de certeza que ninguém se atreverá a chamar-me xenófobo por ter essa opinião.
A segunda, mais grave do meu ponto de vista, é que nos faz encarar uma crise humanitária sem precedentes que faz aportar à Europa centenas de milhares ou mesmo milhões de desesperados fugidos à guerra, à fome e à intolerância religiosa do norte de África e do Médio Oriente, como uma espécie de invasão dos Mongóis, umas Cruzadas ao contrário. É legítimo que não exista uma consciência comum europeia que avalie a crise dos refugiados como aquilo que ela é – uma tragédia humana – e não como uma ameaça que nos obrigue a fechar fronteiras, erguer novos muros ou, como se corre o risco de acontecer no próximo dia vinte e três, leve algum ou alguns países a desistirem do projecto europeu? Será que vamos assistir a um retrocesso do conceito de Europa que a reduza aos calhamaços de Geografia, como nome de Continente?
Espero bem que não. Mas isso sou eu, que sou um europeísta convicto e um optimista incorrigível.
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