Valor Local
  • OUVIR RÁDIO
  • EDIÇÃO IMPRESSA
  • ESTATUTO
  • CONTATOS
    • FICHA TECNICA
    • ONDE ESTAMOS
  • PUBLICIDADE
  • VALOR LOCAL TV
  • PODCASTS

Opinião Joaquim Ramos: "Pedreiras"

"Nós somos um povo assim. Passados tantos anos e ainda acontecem coisas como a da estrada de Borba e outras parecidas que acontecerão."
07-03-2019 às 11:45
Imagem
Não há, por esse País fora, e salvo raras exceções de zonas protegidas, paisagem que não contemple, em horizonte mais ou menos curto, uma pedreira abandonada, uma saibreira que já se esgotou, um areeiro já sem areal, abandonados, sem qualquer espécie de tratamento e muitas vezes de aviso ou proteção.
Todos sabemos que essas “minas a céu aberto” que não consigam fugir à clandestinidade e aos contornos da Lei – há advogados especializados em tudo…- para serem licenciadas têm que apresentar o projeto de reposição da paisagem em fim de exploração e têm que executá-lo. Não conheço UMA que o tenha feito. Pode ser que exista, mas eu não conheço. Até em Lisboa as havia, essas chagas paisagísticas que pululam pelo País. Lembro-me bem de duas situações que se desenrolaram com o Presidente Abecasis, nas quais também estive envolvido por dever profissional. Uma foi nos Olivais, as escavações e fundações dum bloco de prédios de grande dimensão, que, por falência ou embargo, fora abandonado e se tinha transformado numa gigantesca cratera pantanosa. Parecia um bocado de África em Lisboa. Era um sítio com lodos  e água esverdeada à mistura, um berçário de mosquitos e melgas com vegetação quase tropical, habitado por ratos, cães vadios, cobras e rãs.

Depois de muitas intimações ignoradas, Abecasis perdeu a paciência e deu-me ordens para, em vinte e quatro horas, tapar as fundações e eliminar aquele foco de insalubridade e perigo. Nessa noite, mais de quatrocentos camions de terra trazida dos terrenos onde mais tarde foi a Expo 98, encheram até ao nível normal do terreno a cratera, enterrando pântano, vegetação que tinha crescido, répteis que proliferavam, restos de cofragens e pilares. O segundo caso foi mais trágico. Por trás do Campo Pequeno havia uma lagoa com vários metros de profundidade, formada pela água da chuva. A água tinha ficado capturada no local de onde se tinha tirado o barro para a fábrica de tijolos que se instalara de propósito para construir a Praça de Touros do Campo Pequeno. Parece que não, mas foram milhares e milhares de tijolos que a Praça consumiu. Actualmente, onde é a sede da tão badalada Caixa Geral de Depósitos, ainda se pode ver, preservada, a chaminé dessa fábrica – eu hoje pareço o defunto professor José Hermano Saraiva…

Bom, mas o que é certo é que os terrenos barrentos e impermeáveis retiveram a água da chuva e fizeram uma lagoa onde os miúdos dum bairro ali ao lado tomavam banho e até navegavam em barcos improvisados. Duas dessas crianças morreram afogadas quando um desses barquitos feitos de tábuas se afundou. Só depois a lagoa foi esgotada.

Nós somos um povo assim. Passados tantos anos e ainda acontecem coisas como a da estrada de Borba e outras parecidas que acontecerão.

Uma criança caiu por um furo de vinte e três centímetros em Espanha e nós pendurámo-nos na fronteira, de Vila Real de Santo António a Caminha, a remirar as tentativas de salvamento, emocionados com o sofrimento dos pais, atormentados com o destino da criança, solidários com os heróis que escavaram a montanha. Portugal estava por inteiro pendente do desenrolar da tentativa de salvamento. Porque a tragédia aconteceu e o que nos move é o cheiro a tragédia, não é a prevenção.
Penduramo-nos a espreitar da raia espanhola, mas esquecemos que nas costas temos situações potencialmente assassinas, como essa, aos pontapés. E que continuamos a assobiar para o lado, como é também nosso costume.

Talvez tenha sido por esse drama de que fui participante ao pé do Campo Pequeno, que uma das primeiras coisas que me chamou a atenção em Azambuja foram situações como estas que descrevi. No levantamento que foi feito, foram identificadas duas particularmente perigosas: uma situada na EN3, a seguir à Marquesa, em Azambuja, e outra na zona alta à chegada a Vila Nova da Rainha. A primeira era objeto de todo o tipo de despejos clandestinos, incontroláveis, contaminando o solo e o aquífero. Na outra tinha-se formado uma lagoa onde seguramente morreria afogado qualquer incauto que se perdesse por lá.

Não havia condições para obrigar as empresas a recolocarem o terreno na situação inicial. Então, o único caminho possível era interessar os próprios a resolver a situação através do licenciamento dum aterro para resíduos não perigosos e banais. E foi isso que se fez, no meio duma tempestade política de grandes dimensões. Uma resultou, outra não e creio que a dita lagoa ainda existe na zona alta de Vila Nova.

Esta é uma caraterística muito portuguesa: as coisas teem importância e merecem a nossa atenção enquanto são úteis. Não interessam os danos sociais ou ambientais que causam. Interessa o lucro que dão. Essa coisa da pegada ecológica, da marca na Terra que a nossa atitude deixa gravada para a eternidade, é matéria que não nos aflige. Norueguices…


É por isso que o País é hoje um cemitério de minas abandonadas a céu aberto, pedreiras e areeiros transformados em buracos na paisagem ou em lagoas artificiais, poços abandonados sem marcação. Extrair minérios, areia ou água é rentável, dá dinheiro. Repôr as situações naturais depois de acabada a exploração custa dinheiro. Não se faz.
​
Os Municípios têm aqui um papel fundamental, embora, à semelhança de tantas outras coisas que se passam no seu território, caiba à Administração Central licenciar e fiscalizar estas estruturas. Seria bom que, no actual processo de transferência de competências para as Autarquias Locais, os processos de licenciamento de pedreiras e afins passasse para a esfera municipal. E devia ser obrigatório que a Câmara estivesse representada na respetiva administração, como forma de controlar a exploração do seu solo e de “selar” a pedreira, na fase final, de acordo com arranjo paisagístico obrigatório.


NOTÍCIAS MAIS LIDAS

​Deteção de lamas atrasa obra no esteiro de Azambuja

Evento:“Do Torricado à Lapardana, uma viagem gastronómica” em Aveiras de Cima

Vila Franca de Xira
Vinte seis restaurantes aderentes no “Março Mês do Sável”

​
Alenquer vai receber final da “Non Stop Madrid – Lisboa” em BTT
​

Comentários

Seja o primeiro a comentar...

    Comentários

Enviar
Nota: O Valor Local não guarda nem cede a terceiros os dados constantes no formulário. Os mesmos são exibidos na respetiva página. Caso não aceite esta premissa contacte-nos para redacao@valorlocal.pt
Imagem
Imagem

Em Destaque

Imagem
Maus cheiros: Habitantes de Coutada Velha continuam sem levar uma vida normal
Imagem
Alenquer vai receber final da “Non Stop Madrid – Lisboa” em BTT
Imagem
Bombeiros de Salvaterra ainda não pagaram indemnização: “Estou mesmo a ver que tenho de trazer os carros da associação para casa”
Imagem
Deteção de lamas atrasa obra no esteiro de Azambuja

Leia também 

Picture

O Longo Caminho da Saúde Oral na Região

Reportagem nos centros de saúde que acolheram o projeto piloto nos concelhos de ​Azambuja, Arruda dos Vinhos e Alenquer
Picture

Vítimas da Nacional 3

O Relato Emocionante de quem perdeu amigos e familiares no troço entre Azambuja e Carregado
Picture

Bairros Sociais: A Luta pela Inclusão

Estivemos no Bairro Quinta da Mina, Azambuja, da 3ª Idade em Salvaterra de Magos, mas também no Bairro Azul na Póvoa de Santa Iria e no Bairro de Povos em Vila Franca de Xira

Jornal Valor Local @ 2013


Telefone:

263048895

Email

valorlocal@valorlocal.pt
  • OUVIR RÁDIO
  • EDIÇÃO IMPRESSA
  • ESTATUTO
  • CONTATOS
    • FICHA TECNICA
    • ONDE ESTAMOS
  • PUBLICIDADE
  • VALOR LOCAL TV
  • PODCASTS