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Opinião Joaquim Ramos: "Touradas"

"Eu tenho sentimentos ambíguos sobre este assunto. Tenho-os como pessoa, como alguém que foi criado num ambiente e numa cultura tipicamente ribatejana. (...) Mas um homem não é só feito de sentimentos determinados pela cultura e tradição. Vai criando, também, um conjunto de valores próprio que o define enquanto pessoa."
04-12-2018 às 10:51
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As touradas estão na ordem do dia. Ponto prévio: nunca sei se se escreve touraras ou toiradas. Eu cá por mim escrevo touradas, mas, na verdade, sempre que leio escritos de aficionados, a versão toirada é mais comum. As touradas estão tão na ordem do dia que chegaram à Assembleia da República e o próprio Primeiro Ministro teve o desassombro de expressar o que  sente relativamente à tauromaquia.

Eu tenho sentimentos ambíguos sobre este assunto. Tenho-os como pessoa, como alguém que foi criado num ambiente e numa cultura tipicamente ribatejana. A minha mãe era uma aficionada ferrenha, amiga de toureiros e profunda conhecedora da arte de tourear. Mas um homem não é só feito de sentimentos determinados pela cultura e tradição. Vai criando, também, um conjunto de valores próprio que o define enquanto pessoa. E, muitas vezes as tradições culturais que se entranharam e os valores que fui instalando em mim não são muito compatíveis.

Enquanto fui Presidente da Câmara tinha que ter uma posição oficial na defesa e promoção das touradas e da tauromaquia. Tanto assim foi que promovi a construção duma nova praça de touros e a classificação da tauromaquia como património imaterial municipal. E acho que, do ponto de vista formal, não sou a favor nem contra e considero que as coisas devem ser feitas como estão a ser encaminhadas: deverão ser os Municípios a decidir sobre a realização ou não de touradas no seu Concelho. Porque são eles que conhecem o sentimento maioritário das suas populações sobre o assunto. Não me foi difícil tomar as decisões que tomei. Sempre que as tomei despi-me do ser humano que sou e assumi as vestes de Presidente da Câmara. É um preço que tem que ser pago quando se desempenham cargos públicos.

O busílis da questão é quando eu volto a ser um simples cidadão, sem ambições de qualquer cargo ou carreira política – mesmo que as tivesse, a máquina que me faz bater o coração não o permitiria.

Eu acho que Tauromaquia é um conceito muito lato, que envolve muita coisa para além das touradas. Tauromaquia é uma cultura, um ciclo de vida que vai desde o nascimento dum touro no meio duma Ganadaria com tradições, hereditariedades e pergaminhos próprios. Uma comunhão com a natureza presente em todas as manifestações que se fazem numa ganadaria – gozei desse sentimento e dessa sensação de liberdade total na meia dúzia de vezes que tive oportunidade de visitar uma herdade ou participar em atividades ligadas à criação de touros. Fascina-me a paisagem da lezíria com touros e, por várias vezes, fui até ao campo, quando o Eng. Rui Gonçalves tinha a sua ganadaria aqui em Azambuja e o António Carniça me deixava atravessar de carro a propriedade, pelo caminho de terra batida, com touros dos dois lados. Espantava-me a sua indiferença ao ver-me passar; se ruminavam, a ruminar se mantinham; se dormitavam, a dormitar ficavam.

Perguntava-me como é que um animal que, acossado, é uma fera mortífera, pode ser tão pacífica e indolente no seu meio natural. É essa comunhão com a Natureza  que eu gosto na lezíria. É isso uma das coisas que ainda hoje me encanta no mundo da tauromaquia.

Confesso também que sou fã incondicional de entradas e largadas de touros, as chamadas esperas de touros, porque retratam exatamente aquilo que se passava no ritual taurino: a espera duma corrida de seis ou oito touros, conduzidos entre cabrestos e campinos, que percorriam, geralmente à noite, as estradas do Ribatejo em direção às praças da região. Não havia vila ribatejana por onde passassem onde não se tivesse antes juntado uma pequena multidão, à espera de ver passar os touros. Escondidos atrás dum muro, uns, pendurados nas árvores de alinhamento, outros, à janela do primeiro andar os menos afoitos ou dados a estas lides.

Gosto de ver uma boa corrida em Espanha. Tento esconder o inquestionável sofrimento dum animal que me fascina com o facto de ser breve e acabar logo ali. Além de que, do ponto de vista artístico, uma lide dum bom touro por um toureiro tipo Ponce, ou Manzanares ou Castella, para citar alguns – vêm como eu sei?- é um verdadeiro ballet entre homem e touro, duma grande beleza plástica.

Mas penso poder afirmar que ninguém me voltará a apanhar numa tourada em Portugal. Só se eu me der para fazer como aqueles velhos que adivinham que vão morrer e decidem peregrinar às suas rotinas por uma última vez. Ir uma última vez à Nazaré, fazer a derradeira viagem a Espanha, assistir à última tourada. Nesse caso, talvez. Em plena lucidez, não. Primeiro, porque não aprecio toureio a cavalo; segundo porque o público português, salvo raras exceções, não percebe nada do que está a ver. Tanto aplaude e obriga a voltas à arena o autor duma grande lide como um daqueles toureiros que falha ferros e nem citar o touro sabe.

​Terceiro e último, porque aquilo de que, eventualmente, se desfruta não justifica o indiscritível sofrimento a que é sujeito um touro bravo em Portugal a partir da chegada a uma praça de toiros. Particularmente após a lide, até serem abatidos umas quarenta e oito horas depois – para lhes passar a febre – num qualquer matadouro. Eu sei. Estive por dentro e vi e não o posso negar. Não vou aqui fazer a descrição das coisas a que assisti e sabia acontecerem. Mas sei.

Por isso acho que posso afirmar que sou daqueles a quem a evolução da relação com a natureza e os animais se tornou incompatível com as touradas à portuguesa. Não é uma questão de politiquice nem de adesão à moda PAN. É uma questão de formação e de sensibilidade que me inquieta há muitos anos.

PS: Há uns anos fiz um texto qualquer sobre o tema que foi “usurpado” pelo PAN, que, truncando o que escrevi, fez uns cartazes espalhados por Lisboa. Espero que desta vez não repitam a graça.


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