Opinião João Santos: "Empresas elétricas e lucros “caídos do céu”: Windfall Tax ou Price Ceiling? Ou os dois?"
"Mas, na realidade, a produção de eletricidade a partir de gás natural só corresponde a uma parte da produção total de eletricidade. Isto significa que há empresas energéticas que, produzindo muita eletricidade a partir de fontes diferentes do gás, beneficiam significativamente dos preços elevados da eletricidade, encaixando lucros inesperados e aleatórios, 'caídos do céu'."
|07 Jun 2022 15:31
Em Portugal e na Europa, a inflação bate recordes de décadas. O Senhor Presidente da República, que habitualmente nos deixa prenúncios de forma muito discreta, veio já dizer que teremos de esperar para perceber se o fenómeno inflacionário que vivemos é apenas conjuntural ou se poderá vir a transformar-se em estrutural. Veremos…
Em relação aos preços da energia (o fator que mais tem contribuído para a inflação), as medidas apresentadas pelo Governo são positivas, mas faltará ainda a medida das medidas: os chamados Windfall taxes, aos quais o Ministro da Economia fez referência, pela primeira vez, há pouco mais de um mês. Haverá poucas dúvidas de que esta medida virá mesmo a ser aplicada, tal é a dimensão histórica do período que estamos a viver. O preço da eletricidade na União Europeia é definido pela fonte de produção mais cara: o gás natural. Mas, na realidade, a produção de eletricidade a partir de gás natural só corresponde a uma parte da produção total de eletricidade. Isto significa que há empresas energéticas que, produzindo muita eletricidade a partir de fontes diferentes do gás, beneficiam significativamente dos preços elevados da eletricidade, encaixando lucros inesperados e aleatórios, “caídos do céu”. A OCDE estima que, com a atual conjuntura, as empresas elétricas aumentem os seus lucros em cerca de 200 mil milhões de euros. Um Windfall tax permitiria taxar as empresas que, sem esforço adicional, beneficiam do surto inflacionário para alavancar lucros. Depois, o objetivo seria redistribuir parte desses lucros aleatórios pelos consumidores finais ou, por exemplo, aliviar a carga fiscal para a classe média. No entanto, para já, o Governo português prefere o estabelecimento de um teto máximo (Price ceiling) para o preço da energia elétrica produzida a partir de gás natural, tendo apresentado em Bruxelas, conjuntamente com Espanha, uma proposta ibérica cujo objetivo é limitar a 50 euros/MWh o preço do gás, compensando os produtores pela diferença face ao preço de mercado na atualidade, que andará em torno dos 100 euros. Em abono desta medida, o primeiro-ministro refere que haverá uma poupança para famílias e empresas portuguesas na ordem dos 690 milhões de euros por mês. Quem não aprecia esta medida são os produtores de eletricidade a partir de fontes renováveis. Como beneficiam da regra que estabelece o preço do gás como de referência, veem assim as suas margens de lucro encolher. E, na verdade, isto pode ser um problema. A própria Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que regula os mercados em Portugal, assume que a proposta ibérica de limitar os preços do gás durante 12 meses poderá impactar negativamente nas expectativas dos agentes de mercado, desincentivando o investimento no setor no presente. O estabelecimento de tetos máximos nesta área de negócio pode conduzir ao afastamento de investidores no presente e também a prazo, em função do precedente que se abre e da incerteza em matéria de expectativas. Isto poderá levar a uma menor capacidade instalada para produzir eletricidade a partir de fontes renováveis no futuro, ficando assim comprometido o processo de transição energética em curso. Deste ponto de vista, num mercado que agora funciona de forma livre e concorrencial, um Windfall tax seria uma solução conceptualmente menos “intrusiva” do que um Price ceiling (fixação de um teto máximo no preço). Parece também ser esta a posição do FMI, da Comissão Europeia e da OCDE. A Comissão Europeia tem inclusivamente um regulamento publicado para orientar os Estados-Membros a aumentar, sem criar disrupções, as contribuições fiscais das empresas elétricas que estejam a registar lucros aleatórios e inesperados nesta fase. Um Windfall tax seria considerado pelas empresas como o equivalente à aplicação da lógica da progressividade fiscal (as partes com rendimentos superiores contribuem mais para a receita fiscal). As empresas considerá-lo-iam sempre mais “natural”, num contexto contingencial, de crise inflacionária e de emergência social como o que se vive. Com um Windfall tax, o risco de dissuadir potenciais investidores no setor no presente também seria muito menor. São já vários os países que adotaram esta medida. No caso da Itália, foi imposto um Windfall tax de 25% sobre os lucros excecionais das empresas elétricas, para financiar os subsídios sociais atribuídos às famílias mais vulneráveis. Para dar mais um exemplo, Espanha está desde setembro de 2021 a aplicar um imposto às empresas que lucram aleatoriamente com o aumento dos preços da energia, para poder eliminar ou atenuar a carga fiscal sobre as famílias e empresas espanholas. |
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