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Opinião João Santos: "Eutanásia: Se o objetivo inicial for considerado um erro e no final ocorrer o contrário, o resultado estará certo ou errado? E vice-versa?""É importante que consideremos as diferentes posições como resultantes de fortes convicções tidas por aqueles que as defendem e que “acreditam” firmemente nas razões que lhes estão subjacentes."
23-03-2020 às 16:17
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Eutanásia, sim ou não? Esta é indiscutivelmente uma das questões mais complexas que se colocam à Humanidade. Iniciando assim este artigo, deixo já bem evidente a minha posição.
Não encontro outro tema suscetível de gerar tanta controvérsia. É um tema que tem tanto de filosófico e esotérico como de transparente, apesar de aparentemente parecer paradoxal.” A assunção de uma posição a propósito do tema da Eutanásia pode resultar de raciocínios de maior ou menor complexidade. No entanto, apesar dos diferentes níveis de racionalidade, as posições resultarão, sobretudo, do sistema de valores que constitui a identidade de cada indivíduo. Por exemplo, de acordo com a filosofia hinduísta, um médico não deve aceitar o pedido de morte medicamente assistida de um paciente, pois isso fará com que a alma e o corpo do paciente sejam separados de forma “não natural”. O resultado influenciará negativamente o carma (Karma) do médico e do paciente. Quer isto significar que a ação terá um efeito negativo no futuro dos dois (no paciente, o efeito verificar-se-á na sua reencarnação). O Cristianismo, o Judaísmo e o Islão também condenam, por várias razões, a prática da eutanásia. Já um ateu pode identificar alguns perigos específicos relacionados com a legalização da eutanásia. De entre estes perigos estará decerto a “Rampa Deslizante” (que consiste na generalização da prática de eutanásia, alargando-a, ao longo do tempo, a casos, eventualmente, infundados). A propósito da “Rampa Deslizante”, destaco a legalização da eutanásia infantil na Bélgica, com o registo de três mortes medicamente assistidas de crianças entre os 9 e os 11 anos nos últimos anos (dados da Comissão Reguladora da Eutanásia na Bélgica). Outro importante dado, da mesma fonte, são as mais de duas mil mortes por eutanásia/ano registadas atualmente na Bélgica, que correspondem a 2% do total de mortes naquele país. São muitas as posições acerca da despenalização da eutanásia. É importante que consideremos as diferentes posições como resultantes de fortes convicções tidas por aqueles que as defendem e que “acreditam” firmemente nas razões que lhes estão subjacentes. A verdade é esta: O tema é de uma absoluta complexidade. Em função disso, é comum dizer-se que este tema deve ser avaliado em “consciência”, pois a sua ponderação depende do sistema de valores de cada indivíduo. Mas sendo assim, e considerando a razoabilidade do argumento no parágrafo anterior, não deveriam todas as decisões, independentemente dos temas, ser tomadas em “consciência”? Por que razão convincente se justifica tomar uma decisão contrária à que resulta da “consciência” própria? Parece-me que a questão da “consciência” só se aplica, “convenientemente”, aos casos ultra-complexos; que assumem condição de fraturantes… Nestes casos, a “consciência” parece ser simultaneamente a escapatória conveniente para o problema e a prova da “quadratura do círculo” que é o problema. A introdução ao artigo está feita. Na verdade, serviu apenas para atestar a condição de ultra-complexo que o tema assume. A partir de agora, farei uso do pragmatismo e da racionalidade. O objetivo é estimular a reflexão esclarecida, e nada mais. A Eutanásia consiste no fim premeditado da vida de alguém por razões de compaixão, comiseração, misericórdia ou até humanidade. De entre os argumentos amplamente utilizados a favor da despenalização da eutanásia, destacam-se os seguintes: Os Seres Humanos devem ter o direito de decidir quando e como morrem (processo que deve resultar, sobretudo, de autodeterminação); A prática de eutanásia permite ao doente morrer com dignidade e com o controlo do que lhe está a acontecer; A morte é um assunto pessoal e o Estado não deve interferir no direito à morte do indivíduo; A prática de eutanásia, nos casos devidamente contemplados na lei, liberta recursos preciosos para o tratamento de outros pacientes; A família e os amigos são poupados da dor que resulta de assistirem ao sofrimento prolongado do seu ente querido; Em geral, a sociedade considera como atos de bondade a morte assistida de animais de companhia quando se encontram em sofrimento; A conceção expressa no ponto anterior deve ser aplicada aos Seres Humanos. De entre os argumentos utilizados contra a despenalização da eutanásia, destacam-se os seguintes: Enfraquece o respeito da sociedade pelo valor da vida humana; A ciência médica tem à disposição Cuidados Paliativos que reduzem e eliminam o sofrimento e a dor; Eventualmente, conduziria a um menos adequado acompanhamento médico de doentes terminais; Colocaria muita responsabilidade nos médicos e prejudicaria a confiança entre paciente e médico; Algumas pessoas podem sentir-se pressionadas a solicitar a prática de eutanásia por familiares, amigos ou médicos, quando não é o que realmente desejam; Entraria em conflito com o compromisso dos médicos e enfermeiros em salvar vidas humanas; Desencorajaria a investigação de novas terapêuticas para algumas doenças incuráveis; A eutanásia expõe as pessoas mais vulneráveis à pressão de pôr termo à própria vida; A possibilidade de pressão moral sobre parentes idosos por famílias egoístas; A possibilidade de pressão moral para libertar recursos médicos; Os pacientes que são abandonados pelas suas famílias podem sentir que a eutanásia é a única solução; Alguns doentes recuperam inesperadamente; A eutanásia pode ser o primeiro passo para a designada “Rampa Deslizante”, que conduz a práticas de eutanásia involuntária ou infundada. Deixo-vos estes argumentos relativamente a um tema complexo. Para concluir, no meio de tantos eufemismos, de tanta subjetividade e de todos os juízos de valor, o que me parece certo e objetivo é que o quadro legal a propósito de uma qualquer matéria é variável em função das conjunturas a cada momento. As conjunturas podem ser mais ou menos conservadoras, mais ou menos democráticas, mais ou menos reformistas, mais ou menos humanistas… O percurso do quadro legal da eutanásia na Bélgica é disso exemplo e prova. Em 2003, foram registados 235 casos de eutanásia. Em 2009, 705 casos. Em 2018, mais de 2000 casos. A eutanásia infantil é legal na Bélgica. Desde 2014, foi concedida eutanásia a menores com 9,11 e 17 anos. Não encontro outro tema suscetível de gerar tanta controvérsia. É um tema que tem tanto de filosófico e esotérico como de transparente, apesar de aparentemente parecer paradoxal.” |
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Comentário
Completamente de acordo com a fundamentação do Dr. João Santos, que até tenho o privilégio de o conhecer pessoalmente, numa formação que tiramos juntos. A forma como está a ser tratada a “ polémica” sobre a Eutanásia, é para mim um tema que vai para além da consciência política, mais é um questão de Dignidade Humana desde que prevalece essa vontade em juízo consciente, tal como se faz na Suíça e já agora na Bélgica. Os vários argumentos transcritos pelo Dr. João são considerados, para mim de grande valor e importância. Os serviços NS, os próprios enfermos sem perspectivas de melhoras, o egoísmo dos parentes em manter um sofrimento que não lhes cabe a eles qualificar, entre tantas outras razões, a meu ver seria de aprovar a Eutanásia e só seria executada mediante as condições solicitadas pela pessoa ainda em consciência, deixando escrito a sua vontade ou quando não sendo possível a sua recuperação, nem viabilidade da mesma, ser efetuada. Se acaso a família pretender manter a situação em estado vegetativo que pague os cuidados a preços dignos que não seja o SNS a sustentar.
Obrigada por esta oportunidade de poder dar a minha opinião.
Dulce Marinho
Loures
05/02/2021 16:51
Brilhante artigo João!
Com os dogmatismos (tanto pró como contra) postos a nú, cabe a cada ser humano encontrar nele próprio os fundamentos da sua existência e os que poderão levar à capitulação dela.
Pela natureza intrínseca da opção, este tema é, sem dúvida, mais abrangente que a questão do aborto, apesar de que, quer num quer noutro, estamos a falar da vida humana.
Mas mais do que outras coisas, a circunstância do “slippery slope” causa-me indignação, pois pode ser um propedêutico estado de indigência.
Um abraço,
Pedro Gaspar
Calhandriz
02/02/2021 13:11
como sempre o Sr. Presidente da junta Dr. João Santos fundamentou muito bem esse assunto, concordo plenamente, muito obrigado
João Marques
Vila Franca de Xira
24/03/2020 08:22
Completamente de acordo com a fundamentação do Dr. João Santos, que até tenho o privilégio de o conhecer pessoalmente, numa formação que tiramos juntos. A forma como está a ser tratada a “ polémica” sobre a Eutanásia, é para mim um tema que vai para além da consciência política, mais é um questão de Dignidade Humana desde que prevalece essa vontade em juízo consciente, tal como se faz na Suíça e já agora na Bélgica. Os vários argumentos transcritos pelo Dr. João são considerados, para mim de grande valor e importância. Os serviços NS, os próprios enfermos sem perspectivas de melhoras, o egoísmo dos parentes em manter um sofrimento que não lhes cabe a eles qualificar, entre tantas outras razões, a meu ver seria de aprovar a Eutanásia e só seria executada mediante as condições solicitadas pela pessoa ainda em consciência, deixando escrito a sua vontade ou quando não sendo possível a sua recuperação, nem viabilidade da mesma, ser efetuada. Se acaso a família pretender manter a situação em estado vegetativo que pague os cuidados a preços dignos que não seja o SNS a sustentar.
Obrigada por esta oportunidade de poder dar a minha opinião.
Dulce Marinho
Loures
05/02/2021 16:51
Brilhante artigo João!
Com os dogmatismos (tanto pró como contra) postos a nú, cabe a cada ser humano encontrar nele próprio os fundamentos da sua existência e os que poderão levar à capitulação dela.
Pela natureza intrínseca da opção, este tema é, sem dúvida, mais abrangente que a questão do aborto, apesar de que, quer num quer noutro, estamos a falar da vida humana.
Mas mais do que outras coisas, a circunstância do “slippery slope” causa-me indignação, pois pode ser um propedêutico estado de indigência.
Um abraço,
Pedro Gaspar
Calhandriz
02/02/2021 13:11
como sempre o Sr. Presidente da junta Dr. João Santos fundamentou muito bem esse assunto, concordo plenamente, muito obrigado
João Marques
Vila Franca de Xira
24/03/2020 08:22
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