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É sempre tempo de viver e reviver a arte

Por José João Canavilhas

Como uma luz saída da festa da porta da casa dos trabalhadores, junto à fonte do Gorjão, Joaquim já brilhava, sentado na bossa de um sobreiro centenar, ali para os lados da Ribeira de Almofala, não muito longe da herdade de ganadaria de Carlos e Manuel Veiga, mais precisamente nas Talasnas, junto ao famoso Marmeleiro, na freguesia do Chouto. Ali cantarolando para as mondadeiras do arroz, “montargileiras” e gente local, já recebia algumas moedas, que a sua irmã Leonor recolhia, ao mesmo tempo que dava um jeito no coro.

Eram pequenos laivos de solidariedade repartidos. As mondadeiras aliviavam as dores nas costas e nas pernas, e a saudade de casa, e os jovens cantadores repartiam o seu prazer da música e do seu simples estar. O estigma do Artista perseguia-o, estava sempre presente na sua imaginação. Pela sua sagacidade, inquietude, força de vida, obra tentada, obra feita. E sempre o brilho dos seus olhar, o seu coração bom e a simplicidade, despertaram o interesse dos professores, que sugeriram aos pais outros voos para aquele rouxinol de livre pensar.

Referiram que aquela imaginativa e dinâmica criança deveria ir estudar para a Cidade. Era da opinião dos professores que ele deveria seguir qualquer área, e naturalmente em qualquer área artística. Parafraseando, o país dele não deixou. Nem por mais horas na oficina, nem por mais searas de milho e arroz, nem por mais horas na cozinha ou a organizar casamentos, os pais não conseguiam colocar o Joaquim numa escola que o conduzisse à Luz, mesmo que ela já existisse no seu olhar e mesmo que da Alma não lhe fugisse. Mas existiam mais seis irmãos, aos quais a família teria de alimentar, pois naqueles anos, antes de abril, o país pouco, e a poucos deixava … Os primeiros brinquedos que tive, um trator de cortiça e uma bicicleta de arame de ferro, foi aquele jovem, com cerca de nove anos, que os fez com a sua imaginação e mãos hábeis. Já antes me tinha ofertado um cavalo de barro, mas era uma arte efémera, que por não estar a matéria transformada cozida, desfazia-se, e logo ali, o que muitos enervava o artista, dava-lhe uma veneta, dizia-se, e partia tudo.

Tão importantes como estes brinquedos, obras de puro artesanato, apenas relembro, um carro de lata pintado, que o meu pai me ofereceu pelo Natal, o avião de motor de elástico que uma irmã me ofereceu, o livro “Constantino, guardador de vacas e de sonhos “ de Alves Redol, que a minha irmã mais velha me ofereceu. Outros tive, quase sempre oferta dos irmãos, mas marcou-me principalmente, a arte do jovem que transformou a cortiça e o arame de ferro, em arte, para agradar e entreter este seu irmão mais novo, num tempo em que as pinhas e as bolotas, devidamente trabalhados, transformavam-se em brinquedos, e traziam a alegria das crianças que não sabiam que existiam “barbies” nem Armazéns do Chiado.

E passou mais de meio século, o jovem já foi pai, avô. Fez da sua Vida um palco para a modificar e a ganhar. Na ponta de um martelo de aço, transformou lágrimas em brilhantes, deixou que chapas de aço, às suas mãos ganhassem outra vida e alterando-se produziam pão, madeira para móveis, tonéis para vinho, e muto mais o que a indústria permite. Quis a Vida, que a Arte, quase prisioneira dentro de si não o abandonasse. Na verdade, de soslaio, namorava-o, e com a cumplicidade, daquele homem, de profissão carpinteiro, que curiosamente tem a profissão do seu pai, envereda por procurar a disciplina do ensino da Arte de cantar o Fado, na Escola de Fado de Alvequense.

Inicia, assim, como amador, o renascimento da sua arte musical, que embora esquecida na Charneca Ribatejana, se reconstrói e reaparece, para em muitas tertúlias de amigos, e outros espaços próprios, partilhar, “a moda” de cantar o fado “à ribatejana”. Joaquim Samuel nunca esquece, nem renega as suas origens, e não admite que existem ideias, artes ou memórias perdidas, é lutador e continua, eleva-as e numa sempre pronta coragem, diz aos jovens que é sempre tempo de Viver e fazer reviver a Arte, mesmo que “o nosso país não deixe”. E as tuas outras Artes, Joaquim? -Não se perdem! – Responde – Um dia destes reaparecem como são, ou reinventam-se, pois a Alma de um Artista e a sua Arte é património de todos, e nunca morrem, apenas por vezes, hibernam, como que à espera de melhores oportunidades. É por isso que um Artista sonha e nunca desiste.

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