Opinião José Pires*: "Violência Sexual"No seu conjunto, a informação obtida sobre violência sexual acaba por ser uma ponta do icebergue porque, muitas mulheres, por vergonha ou receio de serem culpabilizadas, não denunciam as situações de violência sofridas.
17-11-2018 às 18:44
![]() Podemos, de facto, considerar que a violência sexual se organiza num contínuo em que, num dos seus extremos, encontramos formas de comportamento que não se revelam particularmente severas e, no extremo oposto, comportamentos face aos quais existe unanimidade na condenação social e judicial. O problema reside no risco de os indivíduos, famílias e comunidades poderem desenvolver processos socioculturais de aceitação de formas progressivamente mais graves e frequência de violência e abuso, que possam ser percecionadas como condutas normais.
Famílias negligentes crónicas são geralmente multi-problemáticas, com défices persistentes, falta de recursos a todos os níveis, enquanto que as famílias negligentes não crónicas atravessam geralmente períodos de crise que ultrapassam as capacidades habituais de lidar com os problemas. A violência familiar é fruto de uma variedade de fatores não só individuais, mas também sociais, como desemprego, insegurança financeira, difíceis condições de trabalho, problemas de saúde, sendo afetados por estas condições quer marido e mulher, quer os filhos, estes últimos afetados não só pelas dificuldades de vida como pela violência exercida pelos pais, de forma direta e/ou indireta. No seu conjunto, a informação obtida sobre violência sexual acaba por ser uma ponta do icebergue porque, muitas mulheres, por vergonha ou receio de serem culpabilizadas, não denunciam as situações de violência sofridas. E apenas recorrem a serviços médicos quando sofrem consequências mais graves, desvalorizando as restantes situações de violência sexual, ou quando, por desconhecimento, já destruíram os elementos de prova do ato de violência sexual, impossibilitando a continuidade do processo criminal. O reconhecimento da violação matrimonial levou à sua criminalização em vários países: Áustria e Bélgica (1989), Irlanda (1990), Holanda e outros (1994), Alemanha (1997), França (2006), Islândia (2007), porém a violação matrimonial permanece impune em muitos países. No quadro da família (violação matrimonial) e também no exterior da família no contexto da prostituição, a violência sexual permaneceu até muito recentemente socialmente legitimada. A mulher e o seu corpo foram concebidos como propriedade do homem, enquanto a construção da masculinidade acentua a sua sexualidade, justificando em certa medida, a violência sexual contra a mulher. Em relação à geografia da violência e, embora normalmente se associe a ocorrência de violência sexual às grandes cidades, a análise segundo a dimensão populacional da localidade de residência mostra o contrário. Mais de 80% das vítimas de violência sexual reside fora das cidades de Lisboa e Porto, com especial prevalência nas localidades com população inferior a 10 000 habitantes. Em relação à sua distribuição, constata-se que, em termos gerais, predominam as vítimas residentes na Área Metropolitana de Lisboa e na região Centro. Enquanto as mulheres que sofreram vários tipos de violência estão mais associadas à Área Metropolitana de Lisboa, as que foram vitimadas apenas por violência sexual estão na região Centro. Ao nível do distrito, sobressaem os distritos de Lisboa e Porto (no total 44,6% das vítimas). Nota-se ainda que, apesar dos valores em termos absolutos serem baixos, a vitimação por vários tipos de violência associa-se mais a residência no distrito de Setúbal. Assim, e em termos geográficos, os resultados apontam no sentido da presença de vítimas de violência sexual nas localidades de menor dimensão, mas situadas nas áreas de influência das grandes cidades, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa. De um ponto de vista geracional, e no que se refere às mulheres mais jovens, não há nenhuma associação com qualquer local onde se ato posso ocorrer. Pelo contrário, para as mais velhas a "própria casa" aparece como o local onde é mais provável serem vítimas. Se associarmos a isso o facto de também terem uma maior probabilidade de serem alvo de relações forçadas, ficamos com uma ideia das violações que podem ocorrer no seio da família, entre parceiros, e que muitas vezes permanecem invisíveis. Fazia parte de um dos estereótipos de género, protegido antes do 25 de Abril de 1974 pela própria lei, e ainda não completamente erradicado da nossa sociedade, que no domínio da sexualidade, a mulher "deveria estar sempre disponível para o marido". O problema reside no risco de os indivíduos, famílias e comunidades poderem desenvolver processos socioculturais de aceitação de formas progressivamente mais graves e frequentes de violência e abuso, que passam a serem vistas como condutas normais. Na análise apresentada pela APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), é possível observar que, de 2013 para 2016, o número de vítimas, com mais de 18 anos, de Crimes Sexuais que recorreu aos serviços da APAV somou um total de 2.158 casos. Esta evolução significou um aumento de 53,1% dos casos assinalados. Do total das 2.158 vítimas de crimes sexuais, registadas entre 2013 e 2016, cerca de 95,1% eram do sexo feminino.
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