Opinião Manuel Cruz Ferreira: "SNS vs PRIVADOS: Mitos e Realidades"
Infelizmente 1 milhão e 200 mil portugueses não tem Médico de Família, actualmente. E muitos mais, se o têm, não conseguem uma consulta em tempo útil para o seu problema. Há relatos diários, tristes, de quem vai de madrugada mendigar uma consulta e volta para trás
|17 Jul 2022 18:28
O SNS português é, sem dúvida, uma grande conquista social, desde a sua fundação, no pós 25 de Abril, Lei 56/79, e tem sido o pilar principal dos Cuidados de Saúde nas últimas décadas. Indesmentível.
Este despretensioso texto vai prescindir de tiradas ideológicas sobre o tema, bem como de argumentos dos seus detractores. Vai mostrar exemplos concretos do nosso dia a dia, reais, relevantes para entender o problema de fundo do nosso SNS. 1. O meu Médico de Família prescreveu-me, no Centro de Saúde, por rotina, análises e radiografias. Com aqueles papéis na mão, o que é que eu faço? Vou à Clínica mais próxima e faço os ditos exames, que me custariam uma centena de Euros, e só pago uma parte, porque a empresa em questão tem acordo com o SNS.O que é isto? Não é uma convenção Público-Privada, que já vem, aliás, do tempo dos Serviços Médico-Sociais do Estado Novo, e continuada, bem, pelo actual SNS? Alternativa? O Estado não tem resposta próxima para esta procura, por isso estabeleceu estes acordos. Note que esta empresa paga impostos, dá empregos, paga luz, renda… Contribui para a economia da nação. 2. Infelizmente um milhão e duzentos mil portugueses não tem Médico de Família, actualmente. E muitos mais, se o têm, não conseguem uma consulta em tempo útil para o seu problema. Há relatos diários, tristes, de quem vai de madrugada mendigar uma consulta e volta para trás. Nota: este panorama desolador é muito frequente, mas tem muitas excepções, felizmente, pelo país fora, onde há muitos Centros de Saúde com respostas adequadas, especialmente onde há Unidades de Saúde Familiar, que têm regimes de trabalho flexíveis e com avaliação de desempenho. Nos casos atrás referidos, que fazer? Os que podem, financeiramente, ou têm um Seguro de Saúde, ou ADSE, vão ser atendidos por um Médico particular. Que também paga impostos, dá empregos, etc. Foi o caso do Sr António, trabalhador no activo, que teve uma dor ciática severa, foi medicado com injectáveis pelo tal médico da terra, recomendado repouso por duas semanas, e indicação para fazer um TAC. Dirige-se ao Centro de Saúde com a prescrição fundamentada por escrito, onde, após muita insistência, é atendido por um “médico de recurso”: - Eu não sou obrigado a passar exames de médicos particulares. - OK, então consulte-me, e decida… - Marque consulta. - Já tentei, só daqui a 3 semanas… - Então vá à Urgência do Hospital. - Já fui ontem, deram-me uma injeção, e mandaram-me vir ao Centro de Saúde… - Desculpe, doutor. Eu pago os meus impostos há trinta anos, e tenho direito a fazer este exame pelo SNS. Se não o passar, vou reclamar no Livro Amarelo… - Tome lá a credencial. 3. O Sr Joaquim, reformado, até aqui saudável, fez exames “por não se sentir muito bem”, e o médico que o vê regularmente pelo Seguro de Saúde detectou análises muito alteradas da função renal, que exigiram consulta de especialista. Foi-lhe confirmada Insuficiência Renal Crônica, com indicação para provável Hemodiálise, para o resto da vida. Que fazer? O plafond do Seguro não lhe permitirá fazer tratamentos tri-semanais de diálise, continuamente. Foi acordado dirigir-se aos serviços públicos para o efeito, e o problema ficou solucionado. Alguns dirão: - Cá está, para estes casos complicados e mais dispendiosos tem que ser o SNS a resolver… - Claro. Este cidadão descontou 40 anos para a Segurança Social, tanto ou mais do que a maioria dos contribuintes do país, tem direito constitucional à saúde. Ponto. 4. Neste concelho, da ARS Lisboa e Vale do Tejo, estiveram colocados no Centro de Saúde, desde os anos 80, 12 médicos de Família, que atendiam toda a população com consultas, urgências, pequenas cirurgias, domicílios… Até que, há 10 anos, foram-se reformando um a um, e actualmente só há 6 médicos, novos, no concelho. Não podem fazer milagres, claro. Será que houve falha de previsão da situação? Será que os médicos não respondem aos concursos? Ou será falta de condições e motivação que os faz recusar a colocação? Nota: O autor destas linhas fez um estudo, juntamente com uma técnica do Centro de Saúde, publicado no Revista Portuguesa de Clínica Geral, em 1987, em que foram analisados todos os atendimentos feitos no SAP durante um ano, no total de 6291. Estudados os diagnósticos, resultados das terapêuticas, grupos etários. E a conclusão final: deste grande número apenas 4% foram transferidos para os cuidados hospitalares, Vila Franca ou Lisboa. Assim percebemos porque é que, agora, as urgências hospitalares rebentam pelas costuras. E com dados oficiais de que 40% dos casos não justificavam urgência… Como se vê, nas últimas décadas a grande maioria destes não iria lá.
Por exemplo: Se há uma parte dos cidadãos portugueses que se sentem confortáveis com o seu Médico Assistente, do Seguro ou da ADSE, porque não se lhes dá a hipótese de negociarem uma dispensa da sua inscrição no Médico de Família, em troca de um pequeno benefício fiscal? Assim dariam o seu lugar, que não usam, a quem dele precisa e não tem alternativa… Assim se praticaria uma verdadeira coesão social, a favor dos mais desfavorecidos. Complicado? Os políticos e os legisladores que estudem, e decidam, se assim entenderem. A nível dos Cuidados Hospitalares funcionaram durante anos as Parcerias Público-Privadas com bons resultados em Braga, Vila Franca de Xira e Loures, reconhecidos pela população, pelos autarcas, e pelo próprio Tribunal de Contas, que confirmou poupança de milhões para o Estado e melhoria da qualidade. Sabemos todos que foram interrompidas há um ano, à conta da sobrevivência da geringonça, em vão… PS. Termino citando a Clara Ferreira Alves, no ultimo “Eixo do Mal” / SIC: “ O SNS está com muitas implosões sucessivas. E, se não houvesse o sistema misto, em que pessoas e empresas pagam Seguros de saúde, já há muito teria explodido (…) Se queremos um sistema de saúde como os nórdicos, o nosso terá de ser restruturado…” E o Editorial do director do Expresso, de hoje: “ O hospital Beatriz Ângelo, em Loures, era um exemplo de eficiência, quando gerido por privados. Em poucos meses de gestão pública foi destruído. (…) Espero que o BE esteja contente, e que a António Costa lhe pese a consciência por ter ajudado a este desfecho”. Médico de Clínica Geral em Azambuja |
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