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Refugiados: Ser Humano ou DeSumano? De que matéria somos feitos?

Por Maria Palha, Psicóloga de Médicos Sem Fronteiras
 
2015 é um ano de surpresas e por isso mesmo um ano exigente de reajustes e mudanças constantes.
Ao nível astrológico, estamos num ano de Saturno, um ano de concretização e trabalho árduo.
Ao nível global soubemos que em 2015 foram registados cerca de 50 milhões de deslocados de guerra, mais de 220 Mil Mortes na Síria, (onde 11 mil eram crianças) e até as 350 milhões de pessoas registadas com depressão ou mal-estar psicológico, quase que atingimos os mesmos números da segunda guerra mundial.

A nível Europeu, parece que ainda não aceitamos que também nós, eu, tu, ele, nós, vós e os políticos, temos que modernizar ideologias, acompanhar o ritmo frenético das coisas, focar no essencial, no que nos pode efectivamente distinguir como Continente de respeito, poderoso e forte, focar no que nos distingue como espécie, no amor, na compaixão e generosidade pelas pessoas como o João, a Inês, o Nataliel ou o Abdula e os seus filhos, disponíveis para Sermos Humanos, por alguma razão não nos chamamos “Seres Petróleos”, mas sim “Seres Humanos”.
A nível nacional, politicamente falando, será talvez a primeira vez na história onde não se ouvirá falar mal do governo nas próximas festas do Avante. No mínimo diferente. Um outro tema nacional, logo europeu, o de podermos (enquanto país) passar a ser um país multi-cultural, a entrada dos refugiados na Europa.

Pessoalmente acho que só senti esta polémica na pele quando regressei de mais uma missão, depois deste verão.
Surpreendeu-me a frase xenófoba de um taxista “eles que vão mas é para a terra deles, temos que estar seguros e já temos problemas suficientes” mas o que mais me surpreendeu, foi que este homem não estava sozinho nesta convicção, haviam muitas outras pessoas, muito próximas a mim que sentiam o mesmo em relação a acolher pessoas como nós, vindas de contextos tão desumanos como a guerra. Fiquei assustada e logo depois muito preocupada, como tínhamos chegado até aqui? O que aconteceu que nos levou a ter opiniões com tão pouca compaixão, empatia e amor pelos nossos irmão de espécie, por seres humanos?!

De facto questiono, se as pessoas em geral terão ideia, consciência do que é viver sobre bombardeamentos constantes, com medo diário de deitar a cabeça na almofada e dormir, de que seus filhos sejam levados para a linha da frente (mesmo os mais pequeninos), medo que invadam suas casas e violem suas mulheres, se alguma destas pessoas, desta Europa envelhecida, conseguirá sentir na pele, o que é ter que lutar pelo único litro de leite existente na prateleira ou até, com o facto de ter que se alinhar ordenadamente numa fila de um bairro que não é o seu, ao som de bombardeamentos aéreos, para tentar pedir pelo único pão da padaria e levar aos seus 4 filhos e mulher.

Tenho recebido muitos contactos de pessoas a perguntar como são “os refugiados”, o que devem fazer quando contactarem com eles. Para ser sincera, dou sempre a mesma resposta, deixar de os ver como refugiados, como números, mas sim olha-los como pessoas, de carne e osso como nós. Pessoas com histórias, que os definem como únicos, com um nome e idade, sonhos e ambições, religião, e sim, alguém a quem foi roubada uma dignidade. Estas pessoas foram amavelmente “obrigadas” a sair das suas casas, das suas vilas, cidades e país, para salvarem as suas vidas e das suas famílias. Sem esquecer que o que mais caracteriza o “lugar” de onde vêem, é a completa falta de humanidade, de esperança num futuro melhor, e acima de tudo, o terror de verem as pessoas que mais amam, assassinadas, mortas, magoadas ou muito fragilizadas.

É daqui que vêem os nossos ditos “refugiados” e é esta ideia que não devemos perder de vista.
Ao nível prático, as boas vindas devem conter dois níveis. O primeiro, as necessidades básicas e logo em seguida, quase em simultâneo, a saúde mental. Se ao chegarem ate nós lhes for facultado uma série de informações como o que descrevo em seguida, conseguiremos cumprir o que nos propomos, acolher e apoiar estas pessoas.

A nível de necessidades básicas, falo de água, comida, roupa, e logo em seguida, a distribuição de responsabilidades e os papéis de cada refugiado. Esta distribuição de funções é extremamente importante para que quem chega nestas condições não se sinta ainda mais “um fardo”, “um peso”, podendo com isto reduzir sentimentos de dependência e desesperança.

Numa segunda linha, vem a saúde mental, que convém ser partilhada e facilmente acedida por todos (daí que em muitas das intervenções que faço, comece pela psico-educação destas pessoas).

A exposição a experiências horríveis e desumanas como as que se vivem em cenários de guerra tem um enorme impacto imediato, mas também de geração para geração. Em geral, estas pessoas estão a iniciar o seu processo de luto, perderam casas, bens, familiares e o seu país (muitas vezes com isso a sensação de que a cultura também foi) vendo-se obrigados a viajar além fronteiras rumo a “campos”, onde se vêem muitas vezes confinados a terem que partilhar casa/tenda com muitas outras pessoas, dependo de atores humanitários, perdendo o luxo da privacidade, os benefícios de um banho quente ou até, como me dizia uma paciente na Síria “eu só gostava de recuperar a minha travessa dos bolos, os meus filhos adoravam os meus bolinhos, e agora, até isso eles perderam”.

Os sintomas mais comuns, dentro dos primeiros 3 a 6 meses de chegada ao país, são as depressões, as PTSD, com insónias, zangas e irritabilidades, medo, apatia, pesadelos, perda de interesse e apetite e/ou sentimentos suicidas.

Será que conseguimos imaginar alguém que passa os últimos 3 anos da sua vida zangado, desesperançado, com ideias suicidas? Pois bem, está na hora de Sermos Humanos, e apoiar quem mais precisa, dar voz a quem não a tem.



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