Vamos falar de Cultura?
Por Fátima Faria Roque
Qualquer discurso organizado que se preze, alude, pelo menos por uma vez, à cultura. Seja um discurso de teor político, académico, ou de pura retórica, não esquecerá a palavra “cultura”. E isto porque, à semelhança de muitas outras, a palavra é hoje sinónimo de imenso chapéu, que alberga, acarinha, protege e, não raramente, deturpa (ou para tal contribui) o verdadeiro significado de vocábulos que são, também eles, conceitos relacionados e passíveis de ligação entre si, mas que, na sua “pureza”, não deveriam confundir-se e miscigenar-se na tal cartola. Tradição, literacia, conhecimento, património, história, narrativa, são usados e abusados para compor estruturas frásicas em nome de uma “cultura de contexto”, expressão que pode muito bem ser a aba deste chapéu e que, aqui se assume, acabamos de inventar. E podemos. É legítimo. Como o será também falar de uma “cultura matemática” (Joaquim Namorado, figura maior da expressão poética do movimento neorrealista português, era professor de matemática e nela encontrou fonte infindável de inspiração estética), astrofísica, clínica, futebolística, etc. No seu conjunto de traços compósitos, qualquer que seja a manifestação identitária de uma sociedade, de um grupo, ou de uma disciplina científica, acaba sempre por reflectir um conjunto de valores e de práticas, associados a um percurso histórico (a uma herança), que lhe conferem “estatuto cultural” nesse lugar. A arte, nas suas múltiplas facetas e enquanto posicionamento estético e projecto de intervenção sobre o real, é apenas uma das vertentes da cultura de uma sociedade e testemunha sempre (mesmo quando os subverte) as suas tradições e valores. Mas os seus objectivos, se honestos, ultrapassam a fronteira do local pelo simples facto de que a arte versa e busca respostas, olhares novos, interrogações, para as questões que diríamos universais, porque comuns à humanidade.
Falamos de cultura, arte, história, património, tradição, mas não falamos de gosto. Esse, não se discute. Talvez se eduque, se ensine, mas não se discute. Se ao meu amigo agradam mais os filmes de Ingmar Bergman e à minha amiga os de Woody Allen, posso trazer o assunto à discussão, tentar encontrar pontes que os unam, mas não forçarei a sua adesão ao gosto do outro. O mesmo se passa quando temos a oportunidade de contribuir para a definição, construção e oferta de programas culturais, desafio que é, acima de tudo, sinónimo de enorme responsabilidade. Não existem receitas feitas ou teses científicas que permitam aferir a qualidade e pertinência de determinado programa em detrimento de outro. Programar é, antes de mais, pensar nos públicos a quem se dirige a nossa acção. E isto, não do ponto de vista do que gostam mas sim do que pode contribuir para enriquecer o seu nível de conhecimentos, mediando e fornecendo as ferramentas-base geradoras de comunidades socialmente empenhadas e civicamente interventivas.
Entendemos que a cultura deve perturbar, no sentido de provocar uma acção, que é a acção de pensar, nos antípodas da velocidade, da ferocidade dos nossos tecnológicos dias, dos nossos dias mastigados e interpretados pela comunicação mediática e oferecidos à sobremesa dos nossos jantares: uma fatia de terrorismo, seguida de uma salada de drama, são menu bem estudado e que abre o voraz apetite por telenovelas e concursos obtusos, que limpam do cérebro a paisagem de sangue dos telejornais.
Deixamos-vos aqui uma sugestão: visitem e usufruam dos espaços de cultura que o Município de Vila Franca de Xira vos proporciona. Do ecletismo da oferta da Fábrica das Palavras – música, cinema, literatura, para todas as idades – ao mergulho na história e património do Concelho que o Museu Municipal dá a conhecer, passando pela (re)descoberta dessa nossa fantástica herança, que foi o movimento neo-realista português, no Museu do Neo-Realismo, a escolha é sua. Nós, temos sempre um imenso prazer em receber-vos. E em falar convosco de cultura.
Diretora do Departamento de Educação e Cultura, da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Licenciada em Comunicação Social, pós-graduada em Cultura Portuguesa Contemporânea e doutoranda em Estudos Portugueses/Literatura. Investigadora no Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa.
Por Fátima Faria Roque
Qualquer discurso organizado que se preze, alude, pelo menos por uma vez, à cultura. Seja um discurso de teor político, académico, ou de pura retórica, não esquecerá a palavra “cultura”. E isto porque, à semelhança de muitas outras, a palavra é hoje sinónimo de imenso chapéu, que alberga, acarinha, protege e, não raramente, deturpa (ou para tal contribui) o verdadeiro significado de vocábulos que são, também eles, conceitos relacionados e passíveis de ligação entre si, mas que, na sua “pureza”, não deveriam confundir-se e miscigenar-se na tal cartola. Tradição, literacia, conhecimento, património, história, narrativa, são usados e abusados para compor estruturas frásicas em nome de uma “cultura de contexto”, expressão que pode muito bem ser a aba deste chapéu e que, aqui se assume, acabamos de inventar. E podemos. É legítimo. Como o será também falar de uma “cultura matemática” (Joaquim Namorado, figura maior da expressão poética do movimento neorrealista português, era professor de matemática e nela encontrou fonte infindável de inspiração estética), astrofísica, clínica, futebolística, etc. No seu conjunto de traços compósitos, qualquer que seja a manifestação identitária de uma sociedade, de um grupo, ou de uma disciplina científica, acaba sempre por reflectir um conjunto de valores e de práticas, associados a um percurso histórico (a uma herança), que lhe conferem “estatuto cultural” nesse lugar. A arte, nas suas múltiplas facetas e enquanto posicionamento estético e projecto de intervenção sobre o real, é apenas uma das vertentes da cultura de uma sociedade e testemunha sempre (mesmo quando os subverte) as suas tradições e valores. Mas os seus objectivos, se honestos, ultrapassam a fronteira do local pelo simples facto de que a arte versa e busca respostas, olhares novos, interrogações, para as questões que diríamos universais, porque comuns à humanidade.
Falamos de cultura, arte, história, património, tradição, mas não falamos de gosto. Esse, não se discute. Talvez se eduque, se ensine, mas não se discute. Se ao meu amigo agradam mais os filmes de Ingmar Bergman e à minha amiga os de Woody Allen, posso trazer o assunto à discussão, tentar encontrar pontes que os unam, mas não forçarei a sua adesão ao gosto do outro. O mesmo se passa quando temos a oportunidade de contribuir para a definição, construção e oferta de programas culturais, desafio que é, acima de tudo, sinónimo de enorme responsabilidade. Não existem receitas feitas ou teses científicas que permitam aferir a qualidade e pertinência de determinado programa em detrimento de outro. Programar é, antes de mais, pensar nos públicos a quem se dirige a nossa acção. E isto, não do ponto de vista do que gostam mas sim do que pode contribuir para enriquecer o seu nível de conhecimentos, mediando e fornecendo as ferramentas-base geradoras de comunidades socialmente empenhadas e civicamente interventivas.
Entendemos que a cultura deve perturbar, no sentido de provocar uma acção, que é a acção de pensar, nos antípodas da velocidade, da ferocidade dos nossos tecnológicos dias, dos nossos dias mastigados e interpretados pela comunicação mediática e oferecidos à sobremesa dos nossos jantares: uma fatia de terrorismo, seguida de uma salada de drama, são menu bem estudado e que abre o voraz apetite por telenovelas e concursos obtusos, que limpam do cérebro a paisagem de sangue dos telejornais.
Deixamos-vos aqui uma sugestão: visitem e usufruam dos espaços de cultura que o Município de Vila Franca de Xira vos proporciona. Do ecletismo da oferta da Fábrica das Palavras – música, cinema, literatura, para todas as idades – ao mergulho na história e património do Concelho que o Museu Municipal dá a conhecer, passando pela (re)descoberta dessa nossa fantástica herança, que foi o movimento neo-realista português, no Museu do Neo-Realismo, a escolha é sua. Nós, temos sempre um imenso prazer em receber-vos. E em falar convosco de cultura.
Diretora do Departamento de Educação e Cultura, da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Licenciada em Comunicação Social, pós-graduada em Cultura Portuguesa Contemporânea e doutoranda em Estudos Portugueses/Literatura. Investigadora no Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa.
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