Orçamento Participativo e Democracia Representativa
Por Joaquim Ramos
Entrou na moda da administração pública, nos últimos anos, aquilo a que se chama orçamento participativo, mas que com maior precisão se deveria chamar de orçamento com alguma participação .
Entendem os mentores de tal ideia que, quer a nível nacional quer a nível local, o orçamento e o plano de actividades duma instituição deveria ser feito com a participação efectiva daqueles a quem se destina. Escolhem-se as mais diversas estratégias para que se possa chamar a um orçamento de “ participativo” e afirmar que “ o meu orçamento é participativo” tem o mesmo ar de modernidade e potenciação democrática que escrever “ o meu Concelho é livre de armas nucleares”. E o mesmo efeito prático, também: nenhum.
Tomando o caso dos Municípios, uns destinam uma verba para projectos que serão incluídos por sugestão pública – e que passam, claro, por um crivo técnico e político muito apertado, pois o somatório das verbas envolvidas na totalidade dos projectos propostos ultrapassa sempre em muito as capacidades financeiras municipais. Outros Municípios promovem reuniões descentralizadas onde tentam hierarquizar as expectativas e anseios das populações, outros ainda delegam essa tarefa naqueles que melhor conhecem a realidade local: as Juntas de Freguesia.
Com o devido respeito, e se bem que sejam meritórias todas as formas de melhorar a intervenção dos munícipes na gestão municipal e no caminho que a sua comunidade quer seguir, estas acções não são “orçamento participativo”.
Porque a elaboração dum orçamento efectivamente participativo, em que as decisões são tomadas na base e apenas harmonizadas e enquadradas à medida que vão subindo de nível hierárquico, só é possível, em toda a pureza do seu conceito, em democracias populares, no tempo em que os sovietes funcionavam na sua plena pureza. E nós, felizmente, vivemos em democracia representativa.
É suposto que quem se propõe governar-nos conheça as carências e os anseios, os riscos e as oportunidades dos cidadãos da sua comunidade. Em democracia representativa, também é obrigatório que cada Partido ou grupo de cidadãos que se proponha dirigir a respectiva comunidade elabore o seu programa, apresente claramente aquilo que pretende fazer durante os anos do mandato, preferencialmente depois de ouvir os cidadãos , através das suas organizações, já que não é possível ouvi-los um a um.
Mas também é legítimo esperar que aqueles que têm que escolher entre as diversas propostas que se lhe apresentam, pelo menos leiam, analisem e avaliem não só os programas de cada força política ou social, mas também a sua capacidade de concretização. E é sobre isso que eu tenho muitas dúvidas: sempre tive a sensação que se vota mais por paixão política do que pelo conhecimento das propostas que nos fazem. Que se vota mais numa óptica futebolística do que racional.
Por isso não sou um grande entusiasta do chamado orçamento participativo. Independentemente de valorizar algumas iniciativas democráticas que se possam fazer nesta área, como solicitar um ou dois projectos que cada Junta gostaria de ver realizados no seu território ou pôr em marcha uma “ caixinha de sugestões” na fase de elaboração do orçamento, que eu acho positivas e poderem contribuir para uma maior aproximação entre quem governa e quem é governado.
Mas o que é fundamental é melhorar a qualidade da nossa democracia representativa. Tomar medidas e iniciativas para que os cidadãos tenham a consciência plena do que estão a votar e em quem votam. Que os órgãos eleitos sejam efectivamente representativos do Povo e não emanados das cúpulas partidárias. Que exista uma permanente e efectiva vigilância sobre os actos praticados, para que não se desviem do proposto, para que aquilo que o Povo escolheu, quando conscientemente votou naquele Partido e naquele conjunto de acções que integram o seu programa, tenha a garantia de ser o que é efectivamente concretizado, sem desvios, sem desculpas de mau pagador, sem folclores.
Considero que toda essa afinação do nosso funcionamento enquanto sistema democrático é, particularmente neste momento, muito mais importante do que “orçamentos participativos”.
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