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 Os Últimos
​Moinhos da Região
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Uns ainda fabricam farinha, outros estão
agora vocacionados para o turismo
​e outros
já fecharam por completo
​
Fomos conhecer as histórias
de três moinhos na nossa região
​Alguns já não esperam
por melhores dias
Texto: Sílvia Agostinho
 11 setembro de 2017
​Num dos recantos mais distantes da Serra de Montejunto, encontramos uma rota de moinhos em que o de Rosa Miguel e Francisco Soares é o último de um percurso em que a paisagem nos deixa quase sem fôlego. O moinho já vem do tempo do pai de Francisco Soares, que nos conta que em tempos a moagem do trigo foi uma indústria e os moinhos que pintalgam a paisagem do Montejunto até às aldeias serviam de sustento a muitas famílias de moleiros. Hoje já não é assim, e o moinho que ainda tem, e no qual tem investido parte do seu tempo na sua recuperação apenas serve para ir moendo alguns cereais que compra numa loja local, para que no fundo o moinho nunca deixe de servir para aquilo que foi feito.

A manutenção do moinho e de toda a sua estrutura e componentes nem sempre é fácil, pois poucos são os que se dedicam, neste momento, a este ofício. Rosa Miguel explica-nos como é que o moinho roda, e consoante a força do vento o que o moleiro tem de fazer para conseguir em bom rigor levar a água ao seu moinho, ou seja fabricar a farinha. Sendo um dos que está mais perto do céu neste trilho de meia dúzia de moinhos no Montejunto é dos que também mais beneficia da força eólica, estando a 410 metros de altitude.

Já no interior do moinho é nos explicado que o mastro segura as velas que se encontram no lado exterior, e que ao rodar, roda também uma peça que dá pelo nome de entrosga, que por sua vez faz rodar o carreto preso a uma base, e que assim prende a mó. O movimento faz friccionar o trigo transformando-o na farinha. A peça que nos é mostrada é já muito antiga, data de 1887 e veio de outro moinho. Uma das engenharias mais extraordinárias do moinho é que o teto gira, chamado de capelo e de acordo com a direção do vento. “A parte de cima fica em cima de uuma calha, que por sua vez está assente em rodas, e através de uma peça que se chama sarilho, o moinho moe”, explica Rosa Miguel.
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Só na região do Montejunto entre os concelhos do Cadaval e Alenquer chegou a haver mais de 50 moinhos. Apesar de íntima conhecedora de como funcionam os moinhos, Rosa Miguel confessa que não sabe fazer pão. “Apenas o colocamos a funcionar com o objetivo de que moa”. Tem vindo a moer apenas com uma mó, mas Francisco Soares que durante muitos anos se dedicou à profissão de moleiro espera ainda vir a moer com as três mós. Esse dia funcionará como uma espécie de despedida aos longos anos em que colocou o moinho a funcionar. 
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​No tempo em que o pai fabricava farinha destinada aos habitantes do concelho que faziam pão em casa, neste caso a grande maioria, contava ainda com animais para subir e descer a serra – “Eram três machos e um burro”. Os clientes eram de Vilar, da Rabissaca, da Rechaldeira.

Também forneciam padeiros – “Vínhamos para aqui à segunda só terminávamos ao domingo. A rapaziada de agora é que era boa para isso”, ironiza brincando Francisco Soares. Mesmo assim e para aquela altura “era melhor do que andar a cavar”. Considerada uma indústria na altura, foi com este negócio que o pai deste moleiro conseguiu criar cinco filhos.  Com o pai e a fazer do ofício de moleiro a sua profissão a tempo inteiro esteve até ao ano de 1961. Progressivamente a arte manual dava lugar às moagens industriais e com isso foi-se perdendo a moagem manual dos cereais. Moral da história passados estes anos – “Agora comemos pão mas não é pão!”. Para este casal que tem uma história de amor com o moinho e com a confeção natural das farinhas, tudo se alterou, desde os cereais à forma como se confeciona o pão. “O próprio cereal mudou para dar lugar a um trigo mais produtivo e competitivo no mercado”, diz Rosa Miguel. “E para crescer o padeiro tem de meter ‘drogas’ para o pão crescer, não só o fermento como uma espécie de pó amarelo que nós vemos escorrer do pão passados uns dias sem que seja consumido”, acrescenta Francisco Soares.

A nova consciência alimentar aliada ao aumento exponencial de pessoas intolerantes ao glúten tem levado a que cada vez mais se pense em alternativas ao pão, ou em alternativa ir ao encontro das origens do cereal escolhendo variedades mais saudáveis, como é o caso do trigo barbela, agora muito em voga, ou como lhe chama Francisco Soares, trigo morto-vivo que sempre conheceu já desde os tempos do seu pais, onde até o bolor do pão era diferente e se molhado ainda dava para por em cima de uma fogueira e comia-se, e sabia bem. “Hoje não temos trigo no nosso país, vem todo de fora e qualidade deteriorou-se”, acrescenta Rosa Miguel. Voltar a reerguer este tipo de indústria “não seria compensador”. “Podia haver uma ou outra pessoa que de facto apostasse em vir comprar a farinha e fazer depois o seu pão, mas seria uma minoria”.

Contrariamente ao que seria de esperar o Moinho do Penedo dos Ovos, propriedade deste casal, não faz parte de qualquer roteiro estruturado quer do município ou outros. Quem chega para conhecer são normalmente estrangeiros que pedem para entrar no moinho, e que ficam surpreendidos. Normalmente os portugueses que chegam ao local tiram fotografias e abandonam rapidamente este hotspot natural. “Vêm-nos aqui (Rosa Miguel e o marido possuem uma pequena casa de apoio ao moinho) e nem nos cumprimentam, vão-se logo embora e nós a dois metros deles”. Neste aspeto, a responsável pelo moinho lamenta que a Câmara do Cadaval não faça mais no sentido de “influenciar” a que mais passeios possam ser realizados no moinho, nomeadamente, junto das escolas do concelho. A última visita de estudo foi em 2010. “Mas como vão alcatroar agora a estrada pode ser que algo mude. Tenho um neto com quatro anos que adora o moinho”, refere.
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Rosa Miguel conta que de início o moinho não lhe oferecia nenhum interesse em especial – “Detestava isto”. Mas depois foi tomando o gosto ao começar a embelezar o local. Carregou muita pedra para tornar mais atrativo o sítio. Plantou flores e fez canteiros. Ao mesmo tempo renovou uma antiga casinha que hoje está tem sala, cozinha, um quarto e casa de banho dotada de mobiliário rústico e evocativo da profissão de moleiro e de décadas passadas. 
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Em marcha está uma candidatura que já chegou à Oestecim que tenta consagrar a rota dos moinhos do Oeste como património da Unesco. A ideia partiu de Fátima Nunes, proprietária do Moinho da Boneca, em Moita dos Ferreiros, Lourinhã. “Mas para isso penso que é necessário colocar por um lado os moinhos a funcionar e por outro haver quem saiba fazer a sua manutenção”, refere Rosa Miguel. “Esta zona do Oeste está a ser muito procurada e a recuperação dos moinhos pode dar um novo impulso”. Os turistas que chegam ao Penedo dos Ovos, nomeadamente, os holandeses surpreendem-se com os moinhos portugueses mais rústicos e rudimentares, e onde continuam a ser uma indústria chegando as velas a atingir os 27 metros. “Os de lá são comandados por fora e os de cá por dentro”.
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Moinho do Lebre é ponto de paragem de turistas estrangeiros
Em Penedos de Alenquer, na freguesia de Ventosa, é mantido por Clotilde Veiga um antigo moinho, hoje transformado em alojamento local, onde com frequência chegam turistas de países como a Holanda, Espanha, França, com o intuito de conhecer as paisagens da região de Lisboa. Tudo começou em meados da década de 90 quando decidiu recuperar o denominado Moinho do Lebre, numa altura em que os antigos moinhos de moer farinha tinham sido progressivamente deixados ao abandono, e não se pensava na sua possibilidade enquanto produto turístico.

Inicialmente o investimento foi a pensar numa casa de campo, mas passados alguns anos decidiu investir no mesmo como uma alternativa para os turistas. Viu cinco moinhos e adquiriu o seu por cerca de três mil contos na altura- “Foi caríssimo, pois já tinha passado aquela época dos anos 70 durante a qual tinham sido adquiridos a preços da chuva para casas de habitação”. Acabou por também ser “ a mestre-de-obras” aquando da recuperação do imóvel, deixando para trás algumas propostas demasiado modernas dos amigos, dado que para si era importante manter a traça do moinho, e o ar rústico do seu interior. Quando decidiu lançar-se no alojamento local, demorou muito tempo até obter o licenciamento para o efeito, quando conceitos como turismo rural e de habitação ainda não tinham a mesma abrangência de hoje, e eram facilmente confundidos. Um pouco por toda a região, os moinhos iam funcionando mais ou menos sem as regras necessárias para a atividade, mas para Clotilde Veiga esta foi uma luta, e ainda continua a ser tendo em conta “as novas regas do Alojamento Local” que trazem mais burocracia e imposições – “É complicado ter de estar a atualizar-me constantemente e correr o risco de estar a fazer mal, para isso fecho a porta”, deduz.

No início, a maioria dos turistas que procuravam o Moinho do Lebre eram holandeses, principalmente de primavera e de inverno, e numa altura em que a internet dava os seus primeiros passos, através de um site que já existia para o efeito. Mas também muitos lisboetas que procuravam passar um fim-de-semana diferente – “Habitualmente pessoas muito jovens que estudavam nas universidades que vinham até cá no fim-de-semana.” Quando o apelo da rusticidade e a fome por experiências diferentes no que respeita ao turismo, se tornou ainda mais moda já neste século, começaram a surgir grupos etários mais velhos, e com um nível de vida superior. “Vinham porque isto era giro e diferente”. Mas a crise acabou por levar a clientela portuguesa “principalmente as pessoas que convidadas para casamentos nesta região procuravam passar a noite em alojamento local, e assim deixaram de o fazer”. Este público acabou por desaparecer com o passar dos anos, e com a crise tal acentuou-se ainda mais.

O moinho de Clotilde Veiga é composto por uma pequena cozinha, casa de banho, e dois quartos, sendo que um é simultaneamente sala. Pode ser ocupado por quatro pessoas. Cada noite tem um custo de 50 euros para casal. Se ficar mais noites pode beneficiar de descontos bastante apreciáveis. As redes sociais são uma das formas de se divulgar mas principalmente os sites dedicados ao turismo.

Um dos melhores anos foi o de 2015, em que vieram muitos franceses e alemães, nomeadamente através do airbnb. “Acham muita piada a este tipo de espaços”, especifica. “São pessoas que mais uma vez procuram experiências diferentes”. Já em 2017, refere que o verão tem estado fraco. Os poucos turistas que têm vindo escolhem este moinho também com a intenção de ficar a poucos quilómetros da praia, neste caso a mais próxima não chega a 40 quilómetros. Habituados a longas distâncias e imbuídos do espírito de aventura, não têm dificuldades a chegar a Santa Cruz ou Peniche. Mas depois há um rol de localidades próximas e locais turísticos que Clotilde Veiga aconselha, desde logo a vila de Alenquer, mas também Torres Vedras e as suas praias; Rio Maior e as salinas, Salvaterra de Magos e o Escaroupim; Lourinhã e os dinossauros, e inevitavelmente o Montejunto, mesmo ali ao pé, Lisboa e Sintra. “Consigo traçar um roteiro para estadias de uma semana ou mais e dar sempre alternativas a estes turistas para explorarem na região”.

Uma rota integrada pelos moinhos de Alenquer seria desejável com outro nível de atratividade, nas suas palavras. Atualmente o visitante tem um mapa em que os moinhos estão sinalizados, mas em tempos houve uma rota mais organizada que acabou por não ser sustentável a curto/médio prazo.
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A manutenção do moinho é exigente, apesar de as velas não rodarem. Entrará, em breve, em obras e por isso será necessário despender alguma verba – “Mas lá terá de ser caso contrário perderá a graça. Vou ter de arranjar as cordas, o mastro. Será uma trabalheira ”. 

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Moinho da Subserra é o último resistente no concelho de Vila Franca
Paredes meias com a pedreira da Cimpor, na Subserra, concelho de Vila Franca de Xira fica o moinho de João Faustino cada vez mais a caminho do estado devoluto. Até há meia dúzia de anos ainda ia dando um sinal de sua graça sempre que este moleiro o colocava a funcionar para moer farinha, agora incorporou mais o espírito de um catavento do que de um moinho. Gira de vez em quando para desemperrar as mós mas não fabrica nada como que em estado de sentença de morte adiada. Mas há mais anos não só este moleiro moia a farinha, como amassava, cozia e vendia pão para fora. O moinho de Faustino fica no fim de uma estrada sinuosa, onde apenas os amantes de BTT teimar em passar. Já nem o carteiro lá vai. Conta João Faustino que a correspondência é entregue num café no alto da Subserra, mesmo antes da estrada que leva ao moinho.

Este moinho passou por várias gerações da sua família. O avô comprou-o na altura por seis mil escudos. Perto há outro moinho que já vem do tempo do bisavô deste moleiro. Muitas famílias em anos antigos dedicavam-se ao fabrico de pão. Neste concelho ainda há alguns moinhos mas todos fechados e sem que haja interesse na sua revitalização. Chegou a existir 60 moinhos. O moinho de Faustino apesar de estar numa localização privilegiada não cativa quem o possa vir a comprar devido à pedreira que descaracteriza aquele recorte da paisagem. Para ajudar à festa, a localização em causa é ainda dominada por torres de alta tensão. “Dizem que fazem mal à saúde. A minha mulher por vezes queixa-se”, diz.

João Faustino, com 75 anos, trabalhou em várias fábricas da região mas ao mesmo tempo ia fazendo a farinha no moinho, conciliando mais do que uma atividade. “Fiz farinha até ser reformado”. Muita gente vinha comprar pão a Faustino que tinha uma cozinha equipada só para o efeito. Até padeiros lhe compravam o pão. Deixou de o fazer há 10 anos atrás. “Cozer pão já era uma chatice. A minha mulher e eu tínhamos de nos levantar à meia-noite. Já não aguentávamos a pedalada”. Uma história que conta sempre a quem o visita é que as mós do moinho são feitas de pedra adquirida pelo fabricante na pedreira da Cimpor, a sua vizinha, numa espécie de regresso às origens.
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