Pandemia Idosos do centro de dia de Alcoentre escrevem cartas para matar saudades
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues 04-06-2020 às 22:33 A caminho de Quebradas, na freguesia de Alcoentre, basta um pequeno desvio da estrada que liga àquela localidade para entramos no caminho que dá acesso à casa de Margarida Santos, de 82 anos. É uma das utentes do Centro Social e Paroquial de Alcoentre. À porta o cão da casa dá as boas vindas às visitas. A equipa do Valor Local acompanhou a diretora técnica da IPSS, Tânia Duarte, que veio deixar a alimentação. Há dois meses que Margarida Santos e o marido deixaram de poder conviver com os outros utentes da instituição e de ali passarem o dia. Sentem falta do convívio e embora tenham a companhia um do outro, a amizade dos outros idosos, e das funcionárias, é difícil de esquecer. As visitas dos familiares são parcas. A pandemia veio de mão dada com a solidão mas esta parece ser a principal inimiga de quem já só conta os dias para regressar. Com a pandemia, o Centro Social e Paroquial de Alcoentre deixou de receber utentes na valência de centro de dia, por isso as várias equipas têm-se desdobrado para fazer chegar a casa dos mais idosos desta freguesia: alimentação e cuidados de higiene. Habitualmente são 90 os utentes, em que metade já estava na componente de apoio domiciliário, mas nesta altura são cerca de 100 a receber, todos os dias, alimentação e outros cuidados, por força das medidas restritivas e de isolamento social impostas durante o período de emergência, e que no caso dos centros de dia ainda se mantêm.
Há quase dois anos que Margarida Santos é utente desta IPSS. Os dias na instituição passava-os na conversa com outros utentes, a jogar dominó, a fazer exercícios e a dar passeios. Agora em casa, garante que não tem feito quase nada – “Nem varrer a casa consigo porque tenho um problema num joelho”. As funcionárias do centro de dia fazem “a higiene pessoal, e da casa, e trazem o almoço.”
(Assista à reportagem em vídeo junto dos responsáveis, utentes e funcionários do Centro de Dia de Alcoentre -clique no vídeo acima)
Segundo o diretor do Centro Social e Paroquial de Alcoentre, o padre Luís Pedro este tem sido um grande desafio para a IPSS. Para os utentes este é um momento difícil, porque muitos deles não possuem apoio familiar. As perguntas são sempre as mesmas: “Quando é que regressamos? Quando é que voltamos ao centro de dia?”, revela o padre Luís Pedro tendo em conta que a solidão, agora, é a principal companheira. Com esta nova realidade da Covid-19 – “Perdeu-se o convívio entre os utentes e isso é uma preocupação”. Para Margarida Santos, a Covid-19 “foi um castigo de Deus” porque “as pessoas são más umas para as outras”. Não sabe se depois disto tudo passar se sairá algo melhor para o mundo – “Nem sei o que pensar”, desabafa. O centro de dia lançou recentemente o desafio aos idosos para escreverem cartas uns aos outros ou às funcionárias para ajudar a atenuar as saudades do tempo em que se encontravam todos os dias. O marido de Margarida Santos escreveu uma carta à diretora técnica – “É a nossa maior amiga, o que nos vale é a juventude dela para animar a gente”, descreve a utente que elogia ainda “as outras raparigas, as funcionárias, que são um espetáculo. Tenho lá grandes amigas”, descreve a e adianta que sente muita falta de dar um abraço a essas pessoas: “Vou escrever-lhes umas cartas”. “Custa muito estarmos aqui sozinhos, passam-se dia inteiros e não aparece ninguém, tenho saudades daquele ritmo de quando estava no centro de dia”.
A nossa reportagem esteve ainda na casa de outros utentes: Manuel Jóia que lamenta o estado de coisas em virtude da pandemia. Também costumava estar o dia todo no centro paroquial “mas agora não temos outro remédio se não aguentar”. Passa o dia a ver televisão, a ler e a “escrever umas palavras” como algumas cartas para outros colegas do centro de dia e também funcionários. Edgar Maurício, outro utente do centro de dia, também sente saudades do que era o seu dia-a-dia antes do vírus. É sempre com boa disposição que recebe mais uma visita das técnicas que lhe trazem a alimentação. Está à espera de regressar como muitos outros.
A trabalhar diariamente na instituição estão 13 funcionárias que continuam a empenhar-se para acorrer a todas as situações em que é necessário ir à casa dos utentes, a maioria deles vive nos lugares mais distantes da freguesia. As funcionárias vão trabalhando de forma rotativa por imposição da pandemia, diz à nossa reportagem a diretora técnica da instituição, Tânia Duarte. “O espírito de equipa está ainda mais saliente do que antes, e a nossa motivação é muito grande”. Neste momento são quatro as equipas no terreno, quando antes só havia três. Mais pessoas inscreveram-se para terem o apoio da instituição, sendo que o município de Azambuja facilitou uma viatura para o efeito. De São Salvador a Casais de Além, já na união de freguesias, a área é extensa e estas funcionárias vão-se desdobrando nas várias tarefas.
Para duas funcionárias da instituição que entrevistámos numa deslocação a Tagarro, Mónica Carvalho e Luciana Pratas, o esforço de toda a equipa teve de ser redobrado nesta altura. Equipadas com máscara, luvas, viseira e fato, dizem que acima de tudo o que importa é que “os idosos se sintam bem”, diz Mónica Carvalho. Luciana Pratas resume – “´É incómodo, mas gratificante”. Fazem a higiene do lar e a pessoal, e é nesta altura que uma palavra de conforto significa muito. “Adoram quando chegamos e estão ansiosos por regressar”. Nem sempre o suporte familiar existe, “mas estamos cá nós para ajudar a resolver as coisas e ajudar a ultrapassar estes momentos”. Outras funcionárias ouvidas na nossa reportagem, Maria José e Maria Antónia, também desabafam sobre a exigência no trabalho: “Temos encontrado situações bastante complicadas na higiene das casas e temos de fazer o nosso melhor”. É preciso ter “muita capacidade mental e pensarmos que quem corre por gosto não cansa, para conseguirmos andar para a frente, nestes dias, até porque não é fácil andar sempre a fazer limpezas de máscara posta”. Na cozinha do centro social e paroquial a azáfama redobrou. No total há que cozinhar para cerca de 100 utentes. Luzia Ramos e Paula Correia são as cozinheiras de serviço. "Tem sido muito cansativo, mas com amor faz-se tudo”, dizem-nos. O segredo, confessam, é olhar para os utentes como se fossem pessoas da própria família. Outras funcionárias têm ajudado na cozinha. É necessário “deixar muita coisa preparada de véspera”, “ter calma e muita orientação” para se conseguir fornecer as ditas 100 refeições. Sobretudo sentem saudades dos utentes – “Daquele olá pela manhã, e dos miminhos”, confessam.