População de Alverca começa a arregaçar as mangas contra o Aterro de Mato da Cruz
Encerramento não deverá ser este ano. Presidente da junta confessa que há mais casos de cancro. Um dos maiores perigos prende-se com as denominadas cinzas volantes
|07 Jun 2021 21:34
Sílvia Agostinho Ainda não é o fim de linha para o aterro do Mato da Cruz entre as freguesias de Calhandriz e Alverca do Ribatejo. A Valorsul anunciou sucessivamente a selagem do aterro que recebe resíduos urbanos e as denominadas cinzas inertizadas desde 1998. O fecho estava previsto para dezembro de 2021, mas a unidade ainda tem capacidade e não há alternativas. Na última Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira deu um prazo de três meses à empresa para que anuncie o fecho do aterro.
Estiveram no programa “Hora Local” da Rádio Valor Local, na última semana, o presidente da União de Freguesias de Alverca- Sobralinho, Carlos Gonçalves, e os moradores na freguesia de Alverca – José Avelar, Inocêncio Casquinha e Eduardo Pires. Um estado de coisas “insustentável” e “qualidade de vida roubada” às populações durante 23 anos, a que se somam muitas doenças atribuídas à atividade do aterro é o balanço de mais de duas décadas na permanência deste vizinho indesejado. Os moradores prometem não baixar os braços e encetar novas formas de luta para não deixar o aterro funcionar para lá de 2021. Num balanço de mais de duas décadas do aterro paredes meias com a freguesia, Carlos Gonçalves fala na acumulação de resíduos com “componentes altamente tóxicos” ao longo dos anos como chumbo e mercúrio, e sem que exista “um estudo de saúde pública”. O autarca confessa que assiste a um “cada vez maior número de cancros em mulheres mais novas”. Um dos maiores perigos prende-se com as denominadas cinzas volantes, que “contêm chumbo, mercúrio e outros produtos tóxicos”. José Avelar sublinha que está por cumprir a promessa de arborização da zona, e face às constantes paragens da incineradora da Valorsul em Santa Iria de Azóia “acaba o aterro por receber ainda mais resíduos”. A licença ambiental foi, entretanto, prorrogada até 2026, o que para “a população não deixa de ser mais um revés”. O morador não tem dúvidas em considerar que para a Valorsul “o céu é o limite” porque a montanha de resíduos é cada vez mais visível quer da CREL quer da A1. José Avelar reside a 600 metros deste aterro. Inocêncio Casquinha pormenoriza que nesta fase da vida do aterro, “os cheiros não são como no início, possivelmente acabámos por nos habituar, mas penso que o que temos lá ao nível dos materiais depositados é ainda pior”. O presidente da junta acrescenta que “faremos todos os possíveis para que a atividade termine a 31 de dezembro nem que para isso seja preciso cortar as estradas”. OUÇA O ÁUDIO
No aterro estão depositados dois milhões de toneladas de lixo, e num estudo que produziu, Eduardo Pires, também engenheiro mecânico, fez uma tese sobre as possibilidades de produção de biogás neste aterro. Todos são unânimes – “O concelho de Vila Franca já fez a sua parte no tratamento de resíduos de alguns dos concelhos mais populosos da Área Metropolitana de Lisboa, cerca de 1,5 milhões de pessoas, e não podemos continuar a pagar esta fatura”, sendo que já em 2010 “devia ter acabado a receção dos resíduos ditos frescos”. Carlos Gonçalves junta que “os lençóis freáticos estão extremamente contaminados”, sendo que a água de furo “embora não seja consumida diretamente é usada para regar hortas e isto preocupa-nos”.
Na memória está ainda o projeto de instalação de uma pedreira para servir de complemento ao aterro e possibilitar a sua expansão a escassos metros de Arcena. O aterro ocupa uma área de 41 hectares. Foi em 2012 e devido à pressão popular que foi possível fazer recuar este projeto que chegou a ser equacionado pelo município no sentido de declarar interesse público municipal, mas sem efeito após muita luta da população de Alverca. Carlos Gonçalves lembra que recentemente – e numa situação parecida com aquilo que se queria fazer em Arcena - no Brasil “caíram milhares de toneladas de resíduos para cima das casas da população e ninguém nos livra de acontecer um acidente semelhante”. “Monitorizar a segurança e a saúde pública e reflorestar aquela zona é urgente para a população da nossa freguesia, porque nas células que já estão desativadas a requalificação paisagística não avançou”. O autarca diz mesmo que a montanha de inertes já chega aos sete metros. Depois do projeto da pedreira ter sido chumbado, a população ficou mais descansada e a pensar que o aterro tinha os dias contados. Na altura falava-se que iria até 2016, depois 2020 e para já parece que não vai ser em 2021. Ouvido pelo Valor Local, Alberto Mesquita, presidente da Câmara de Vila Franca de Xira comunga do sentir da população e já chegou a adiantar que uma vez que nem sequer é candidato nas autárquicas deste ano, “não tem nada a perder em também contribuir para o bloqueio de estradas se não existir outra saída”. O presidente da Câmara diz que a informação que tem da Valorsul é que estão a encaminhar-se no “sentido da selagem das células mas nada sobre o planeamento exato”. Contudo “a Câmara não pode continuar a ser solidária com todos os municípios”. O boom imobiliário dos últimos 20 anos na cidade de Alverca do Ribatejo levou a que “muita gente da classe média ou da média alta viesse viver para cá num investimento de uma vida, e também essas pessoas acabam por se confrontar com estes problemas ambientais”, refere Carlos Gonçalves para explicitar que o aterro incomoda desde novos a velhos residentes e não apenas as populações de Arcena e Bom Sucesso. Contudo e segundo José Avelar “este problema infelizmente continua sem a visibilidade desejada entre a população que parece estar mais preocupada com a possibilidade de vir um aeroporto para a cidade”. Com eleições autárquicas a caminho “temos de mexer com este tema, com mais manifestação popular”, concordam. Deixe a sua Opinião sobre este Artigo
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