Saneamento básico é pago onde não existe
População arrasada e desesperada Localidades da freguesia de Vila Nova de São Pedro ainda não têm as ligações concretizadas ao nível dos esgotos, e desde agosto que a população paga como se tivesse o serviço
Sílvia Agostinho
27-12-2016 às 11:55 Ao entrarmos em localidades como Torre Penalva ou Casal de Além o cenário de água a escorrer pelas valetas é já um clássico. Provem das casas dos habitantes de algumas localidades da União de Freguesias de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de São Pedro que há vários anos aguardam pela entrada em funcionamento dos esgotos. Esta é uma das formas que a população encontrou para escoar as águas das lavagens das máquinas de lavar, para que as fossas não atinjam o limite da sua capacidade mais depressa. Para as fossas dizem-nos vão apenas as águas das sanitas. Um cenário pouco condizente com o século XXI mas que teima em não dar o passo em frente. Quer no verão ou no inverno, o cheiro chega a ser nauseabundo nestas pequenas localidades, com muitas melgas à mistura, com evidentes prejuízos para a saúde pública. A realidade que já não podia piorar mais, acabou por se tornar desde o verão um pesadelo para os habitantes destas duas aldeias, a que se juntam os de Carrascal e Arrifana, cerca de 800 no total, com a cobrança do saneamento básico onde este ainda não existe. O Valor Local ouviu a população das principais localidades afetadas (clicar na sete laranja na imagem acima para ouvir)
Palmira Conde, residente em Torre Penalva, diz-se completamente desalentada – “Pois claro que já o devíamos ter mas parece que não fazemos parte do mundo. As tampas de esgoto foram colocadas à porta das pessoas que não podem utilizar os esgotos como os outros”, refere e deduz : “Estamos todos à espera do saneamento básico”. O presidente da União de Freguesias, José Avelino Correia, acrescenta que já estiveram em estudo três ou quatro trajetos para o emissário que por sua vez será ligado à ETAR de Vila Nova de São Pedro. “As pessoas continuam a ver os esgotos a passar ao pé da porta sem se poderem ligar”, constata. Em localidades como Arrifana, onde o terreno é mais plano, “o envio da água das lavagens das máquinas para a rua leva a que seja mais difícil até para a própria junta fazer a limpeza em condições, devido à acumulação de lixos, ervas e insetos”.
Em Casal de Além, o drama continua: José Carlos Faustino refere que o aumento que sentiu na fatura, devido à cobrança de saneamento básico onde a ligação de esgotos não se encontra concretizada, fez duplicar o valor da conta mensal a pagar à “Águas da Azambuja”. Em média pagava 30 euros, agora já vai nos 60 euros – “Isto são coisas do terceiro mundo, se eu estivesse a pagar mais pela água ainda se compreendia, mas neste caso quando nem sequer usufruo dos esgotos, é caso para dizer que algo assim não deve acontecer em parte nenhuma do mundo”, desabafa. O morador está a pensar em dirigir-se à associação de defesa do consumidor dado o desespero que diz sentir. José Carlos Faustino já fez as contas e o valor que está a pagar mensalmente pela componente da tarifa em questão supera em muito o preço que pagava por um desentupimento da sua fossa. Neste novo acordo, o utente do serviço que peça uma limpeza de fossas não paga e em troca é lhe cobrada a tarifa fixa e de disponibilidade de saneamento básico ao longo do ano, contudo e segundo este munícipe “não compensa nada”. “Normalmente necessito de uma limpeza por ano, que custa 90 euros, ora por este andar vou pagar só de saneamento básico 250 euros ao fim de um ano”. A junta de freguesia decidiu lançar um abaixo-assinado em relação a esta matéria que segundo José Avelino Correia já conta com 300 assinaturas.
Em seguida a nossa reportagem ouve algumas moradoras ainda na localidade de Casal de Além. Iracema Matias, Antónia Catarino e Maria do Céu também já não suportam o estado de coisas: não ter esgotos e pagar por eles. “Custa-me muito a questão dos maus cheiros devido ao despejar das máquinas de lavar roupa, por vezes anda para aí um cheirete que meu Deus! E até me pergunto como é que isto pode ser. Parece que vivemos num bairro de lata”, destaca Iracema Matias. As munícipes referem que de facto a fatura aumentou devido à cobrança de saneamento básico. “Alguns 10 euros a mais”, diz Antónia Catarino. Iracema Matias continua – “Não compreendo por que não colocam o saneamento básico a funcionar. No meu caso não teria quaisquer problemas em pagar para fazer a ligação aos esgotos a partir da minha casa, mesmo que isso tenha custos. Não podemos é continuar a viver desta forma que não é limpa”. Outra residente em Casal de Além acrescenta que chega a pagar 20 euros por mês, o que considera muito tendo em conta que raramente está em sua casa, pois reside com outros familiares. Ainda outra moradora diz que conhece quem pague 100 euros todos os meses, e desde que o novo aditamento entrou em funcionamento “são ainda mais 30 euros”. Recorde-se que em entrevista ao Valor Local, no passado mês de novembro, o vice-presidente da Câmara deu a garantia de que os investimentos e as ligações que ainda faltam concretizar nas localidades referidas vão arrancar no início do próximo ano, tendo em conta mais uma ronda de conversações com a Águas de Lisboa e Vale do Tejo. “Se fosse hoje votava contra o aditamento” O presidente da União de Freguesias de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de São Pedro deu nas vistas quando há um ano e meio decidiu abster-se durante o processo de votação do aditamento ao contrato que veio a permitir, conforme está escrito, a cobrança do saneamento básico onde as ligações aos esgotos não estão concretizadas. Se fosse hoje, José Avelino Correia garante que votaria contra pois não previu o que se podia vir a passar, e considera que “houve um desrespeito”. Todos os dias e constantemente refere que a população o interroga sobre a cobrança do saneamento básico, e por isso espera que o abaixo-assinado possa significar mais um passo na indignação das populações. Será em breve enviado para diferentes entidades nomeadamente a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. “Não tinha ideia nenhuma de que esta situação que está a acontecer pudesse vir a ser real. Senti-me à vontade para votar pois temi que a Câmara pudesse ficar com uma dívida tão grande para pagar à empresa de águas, (se desistisse do contrato), que comprometesse o futuro.” Quando questionado sobre as alegadas benesses que a Câmara lhe prometeu para as suas freguesias, caso se abstivesse na votação do aditamento, como veio a acontecer, diz que tal não corresponde à verdade. “Em outras votações, também não votei de acordo com a CDU, por outro lado também não sou chantagista ao ponto de querer abusar de algum estatuto para exigir mais obras para a minha junta, dessa forma até estava a ser desonesto para com os meus outros colegas presidentes de junta, dando a entender que tinha poder sobre a Câmara”.
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