Santa Casa da Misericórdia de Azambuja: O regresso à normalidade dá-se com pequenos passos
Por estes dias as visitas têm uma duração máxima de meia hora e apenas através de um vidro, onde familiares e utentes se esforçam para se ouvirem
|11 Maio 2021 10:27
Sílvia Agostinho Aos poucos a vida vai retornando à normalidade no lar da Santa Casa da Misericórdia de Azambuja. Como em outras unidades do mesmo género, por estes dias as visitas têm uma duração máxima de meia hora e apenas através de um vidro, onde familiares e utentes se esforçam para se ouvirem. Ainda não é permitido o contacto físico, apesar de todos os idosos e funcionários terem sido vacinados. Vive-se numa espécie de limbo até que haja luz verde para que os abraços regressem. A instituição registou em novembro um total de 38 infetados com a Covid-19 entre os utentes, a que somaram mais 15 trabalhadores. Seis idosos acabaram por falecer. Foi também através do vidro que o Valor Local falou com duas utentes que estão à espera de melhores dias, mas reconciliadas com a ideia de que ainda é cedo para visitas.
Ilaete Lopes, 84 anos, é uma senhora bem-disposta e otimista. Desvaloriza até certo ponto o impacto da pandemia. Apesar de também ter contraído o vírus Sars-Cov2 refere que não ficou tão doente como outros colegas. No fundo os utentes já se habituaram um pouco a esta vida: sem visitas e com as funcionárias a trabalhar de máscara. Viúva, recebia visitas mais regulares até à chegada da pandemia por parte do irmão e da cunhada. No início foi “difícil de aceitar” que não ia poder ver durante muito tempo os familiares. Agora regressaram, mas sempre através do vidro.
Aquando do surto “foi chocante”, assistir à partida de vários utentes devido à Covid-19, lembra-se. Entre as seis pessoas que faleceram “partiu uma pessoa de quem gostava muito, a Sofia Salema que morreu no hospital, mas também outra amiga, a Jacinta”, diz-nos. A viver há três anos no lar, refere que sentiu muita pena de abandonar a sua casa em Arrifana. Definindo-se como uma pessoa autónoma e que não teme a solidão, suscita que mesmo assim preferiu vir para a Santa Casa a ficar na casa do irmão em Lisboa, “porque galinha do campo não quer capoeira”. A entrada em cena da vacina contra a Covid-19 foi algo “ótimo” e por isso aceitou “perfeitamente bem” que também deveria ser vacinada. “A primeira dose ainda engrossou e tive de pôr gelo, mas na segunda nem isso, contudo dois dias depois tive dores de cabeça e no corpo mas foi passageiro”. Ainda se lembra bem do dia em que lhe fizeram a zaragatoa na altura do surto– “Estava a retalhar, aqui, umas castanhas, perfeitamente tranquila e bem, até que me começa a doer um braço, e daí a dor foi para as costelas, mas tudo muito passageiro. Fiz um primeiro teste que deu inconclusivo. Foi só à segunda que deu positivo”. Ilaete Lopes diz que não quis sofrer psicologicamente com o facto de estar doente – “Preferi pensar que tinha de aceitar, e de aguentar as consequências.” Ainda esteve um mês no covidário, “mas também se passou bem”. Nesta altura “estou com esperança de que isto demore pouco tempo para melhorar, porque custou-me muito não sair daqui para ir ao jardim”. Já Manuela Silva está no lar há menos tempo. Veio em fevereiro já na época da vacinação. Tem 84 anos e por insistência dos filhos escolheu este lar da Santa Casa de Azambuja. Morava em Casais de Baixo, e aquando dos primeiros tempos da pandemia só saía para ir ao supermercado. Já foi vacinada na instituição. Tem saudades da sua casa, porque ainda se sente autónoma, mas os anos já pesam e algumas doenças também pesaram na decisão de vir para o lar. Os filhos e netos quando chegam para a visita cumprem o estipulado pela Santa Casa. Quanto a abraços, diz que espera por esse dia. “Quero ver se depois passo os fins de semana com a minha família”, refere, acrescentando que os dias mesmo assim vão passando depressa: “Ando sempre entretida nas conversas e nas atividades do lar ou a passear no espaço exterior com esta senhora (Ilaete Lopes)”. O Valor Local acompanhou a visita de uma familiar. Maria João tem a sogra neste lar desde janeiro. Quanto às visitas através do vidro sente-se conformada – “É o que se pode arranjar, esperemos que isto melhore porque faz falta o abraço e o beijinho para nos sentirmos mais reconfortados”. Não foi difícil convencer a sogra a ingressar na instituição “pois como ela é de Azambuja conhece muitos dos utentes que aqui estão”.
Ainda é tempo de precaução Nesta nova fase da pandemia, Vítor Lourenço, provedor, e Cristina Rodrigues, diretora técnica, vincam à nossa reportagem que “o tempo é ainda de precaução à espera que a normalidade surja o mais depressa possível tendo em conta a necessidade de afetos entre os utentes e os seus familiares”. Essa “é uma preocupação enorme”, destaca o provedor. A instituição ainda tem bem presente o surto de novembro. Superar esse facto foi possível “graças à diretora técnica Cristina Rodrigues, animadora Helena Moura, funcionários no geral, Segurança Social entre muitas outras entidades”, destaca Vítor Lourenço. A diretora técnica diz que as famílias têm aceitado o momento atual de algumas cautelas. Já o provedor lembra que antes da pandemia passava algum tempo a conviver com os utentes durante as refeições. “Nesta altura evito entrar na parte do lar tendo em conta as circunstâncias, mas tenho pena de não poder conversar com eles”. Muitos dos familiares dos utentes também já vão sendo vacinados cá fora, e essa é uma realidade “que já estamos a ponderar” quanto a uma maior abertura nas visitas. “Para já ainda vai ser nestes moldes”, diz Cristina Rodrigues. “Não obstante existir vacina os nossos receios continuam”, acrescenta Vítor Lourenço, porque “ainda estamos longe de alcançar o descanso”. A Saúde Pública continua a aconselhar a instituição quanto às indicações básicas: desinfeção, uso de máscara, e distanciamento social, “apesar de todas as funcionárias estarem vacinadas”. Todas as semanas, a instituição testa as funcionárias divididas por grupos com apoio da Segurança Social. Com o quadro em causa, “os gastos da instituição duplicaram, e agradecemos desde já o facto de a Câmara ter aumentado para o dobro o valor do subsídio que nos é dado todos os anos, apesar de não ser suficiente, porque os custos são enormes”. A instituição na componente de creche e jardim de infância teve de entrar “em lay-off”. “Foram fundamentais os apoios da autarquia e do Estado neste acrescer de custos embora e como digo sejam insuficientes”, acrescenta o provedor. A Santa Casa aumentou, neste contexto, as mensalidades “apenas de forma simbólica”. Deixe a sua Opinião sobre este Artigo
|
|
Leia também
Militares da GNR fazem de psicólogos de idosos isolados do concelho de AlenquerEm tempo de pandemia, têm sido estes homens e mulheres, por vezes, um dos poucos pontos de contacto das pessoas que vivem sozinhas
|
História de uma tempestade perfeita onde tudo "correu mal". Passados dois meses do surto que afetou 129 trabalhadores, ouvimos a história na primeira pessoa
|
As vozes e os programas da Rádio que se Ouve em todo o Lado. Associada ao Jornal Valor Local pretende preencher uma lacuna após o desaparecimento, nos últimos anos, de várias estações em FM na nossa região
|
Vertical Divider
|
Notícias Mais Populares
Acidente da Póvoa de Santa Iria: 30 Anos depois a dor continua Suspeita de toma indevida de vacinas em lar de Aveiras de Cima Recolha de resíduos em Azambuja pode ir parar às mãos da dona do aterro ou continuar na Ecoambiente Centrais solares podem levar ao desaparecimento de centenas de espécies de aves da região Rui Corça: “Câmara de Azambuja gasta mais dinheiro nas associações de animais do que em apoios às IPSS” |