Seis anos depois do surto de legionella, legislação foi metida na gaveta
Durante este ano e devido à pandemia foram dados escassos passos a nível do processo que corre nos tribunais que opõe as vítimas à ADP
|
|
| 03 Dez 2020 21:17
Sílvia Agostinho Seis anos depois do surto de legionella que assolou o concelho de Vila Franca de Xira que se traduziu num total de 403 infetados, e 13 mortes, a Associação de Apoio às Vítimas de Legionella refere que apesar de ter sido produzida legislação não há efetiva fiscalização das empresas no que se refere à necessidade de limpeza das suas torres de refrigeração. Joaquim Perdigoto Ramos, vítima de legionella, e um dos fundadores da associação diz mesmo que as coimas são inferiores ao valor que custa fazer uma desinfeção nas torres de arrefecimento todos os anos, pelo que assim “o crime compensa mesmo”. “Passados seis anos, as entidades não aprenderam nada”, refere desgostoso com o estado de coisas e quando o norte do país viveu uma situação semelhante, neste mês de novembro, com 87 infetados e nove mortes.
A nova lei de 2018 que estabelece a prevenção e o controlo da doença dos legionários e que obriga a fiscalizações de três em três anos por entidade mandatada pelo Instituto Português de Acreditação “ficou na gaveta”. “Espero que a culpa no norte do país não morra solteira como aconteceu em Vila Franca de Xira. Para já as entidades estão a agir tarde, e aconselho a quem está a ser vítima deste caso de legionella que peça todos os relatórios o mais depressa possível”, enfatiza não escondendo que “já viveu este filme” há seis anos. Um passo essencial para o combate a este tipo de casos, seria o registo nacional de todas as torres de arrefecimento das indústrias que laboram em Portugal bem como da respetiva manutenção, “e que tenhamos conhecimento ainda não existe”. Durante este ano e devido à pandemia foram dados escassos passos a nível do processo que corre nos tribunais, ainda sem data marcada para o julgamento que opõe a Adubos de Portugal (ADP) e a General Eletric às cerca de 73 vítimas nas quais foi provado nexo de casualidade. Os arguidos já chegaram a acordo com 57 vítimas, 32 das quais já receberam uma indemnização de oito mil euros. Há ainda oito vítimas que se constituíram assistentes no processo e com as quais não houve acordo. As restantes oito não são assistentes. O juiz do Tribunal de Loures decidirá entretanto se haverá ou não julgamento. OUÇA O ÁUDIO
ADP já ofereceu 30 mil euros a uma vítima para não ir a julgamento
Joaquim Perdigoto Ramos que não está incluído nestas 73 vítimas, está confiante que o caso chegue a julgamento. “Tenho indicação de pelo menos de uma pessoa que quer ir até ao fim. É alguém que foi bastante lesado a nível de saúde, e a quem a ADP já ofereceu 30 mil euros. Espero que seja o suficiente para fazer jurisprudência”. “O dinheiro compra tudo e a ADP preferiu pôr à frente disto tudo uma poderosa sociedade de advogados do que negociar diretamente com as vítimas, porque esquecem-se que nós somos moradores na Póvoa e no Forte da Casa e contribuimos para que eles estejam ali”. No seu caso, e seis anos depois ficou com várias sequelas – “Era uma pessoa saudável e agora ando com uma bomba de ar, outras pessoas ficaram com sequelas semelhantes, mas algumas vítimas mais velhas que já tinham um histórico de doenças, depois do surto pioraram bastante. Tenho conhecimento que 18 dessas vítimas da legionella morreram entretanto”. Paralelamente a associação intentou uma ação popular contra o Estado em que exige 2,6 milhões de euros a distribuir pelas 330 vítimas em que o valor reclamado é de 8050 para cada uma. De acordo com o documento a que o Valor Local teve acesso por parte do escritório de advogados da associação, é referido, entre outros aspetos, que não foram recolhidas análises junto de todas as vítimas, umas foram preteridas em função de outras, tendo sido assim “violado o princípio da igualdade”. “Há pelo menos duas vítimas nesta situação, alguém terá de retratar-se perante isto. Foi o Hospital de Vila Franca que perdeu as análises?”, questiona Joaquim Perdigoto Ramos, porque alguns desses exames “nunca chegaram ao Instituto Ricardo Jorge”. Por outro lado, não foram seguidas, as melhores práticas na recolha de amostras, sem o material adequado e sem conhecimento do respetivo procedimento, o que por si só pode ser “indício de contaminação” e consequente “adulteração da estirpe”. “Chegaram a fazer isso com recurso a uma garrafa de água”. O aviso prévio às empresas inicialmente indicadas como possíveis contaminadoras, deu ainda “tempo para que procedessem à introdução de cloro”, e assim apagarem provas, grosso modo. A associação aguarda por desenvolvimentos na justiça face a esta ação, mas “agora pandemia agora serve de desculpa para tudo”. Se a associação e as vítimas no geral ficarem descontentes com a decisão do tribunal no fim do julgamento, está no ar a possibilidade de irem até ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. “É um bocado caro mas só o podemos fazer depois de passar todas as fases no nosso país. Não é algo barato mas o nosso advogado já disse que temos todas as condições para o ganhar”. “Este caso vai ter de ser resolvido, nem que eu seja velhinho vão ter de me aturar”, lança. Mais do que “indemnizações quero que as empresas cumpram com a legislação e o Estado deve obrigar a isso”. |
|
|
|