Torre Bela mergulhada em polémicas nos últimos anos
Vários são os episódios a rodear a quinta histórica para além da caçada. Os parceiros espanhóis que desapareceram do dia para a noite e o arranque de sobreiros condenado pela Quercus são outros exemplos
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| 27 Dez 2020 18:14
Sílvia Agostinho Torre Bela, antiga propriedade do Duque de Lafões, é uma herdade no Ribatejo com dois mil hectares, e a maior murada de Portugal, hoje pertença de Cristina Albuquerque, que tem estado nas bocas do mundo, nos últimos dias , devido à montaria que terminou no abate de 540 animais entre veados, javalis e gamos. O Valor Local mergulhou nos seus arquivos e relembra aqui outros factos que não deixaram de fazer correr muita tinta à época.
Com uma história turbulenta, que remonta ao pós 25 de abril, foi ocupada por trabalhadores agrícolas sem trabalho nem terra, que decidiram formar uma cooperativa. Fez parte da história do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e até teve honras de filme em 1977, realizado pelo alemão Thomas Harlan. Na mesma semana em que a Torre Bela é notícia pelos piores motivos, faleceu Wilson Filipe, também conhecido por Sabu, o Marinheiro, uma das principais figuras ligadas à ocupação da Herdade da Torre Bela em 1975. Mas nos últimos anos, vários foram os acontecimentos a rodear estas terras do concelho de Azambuja que vieram causar danos na imagem da propriedade, que tem vindo a anunciar investimentos de topo mas que invariavelmente acabaram por dar polémica pelo caminho. Em 2015 era anunciado, para os terrenos da propriedade, o denominado maior olival da Península Ibérica. A exploração desenvolvia-se em terrenos da cadeia de Alcoentre e da quinta em causa. O Valor Local esteve no local e pôde conhecer o projeto ainda em fase embrionária, quando ainda estavam afixadas, em contentores espalhados pela propriedade, placas a indicar a comparticipação e os montantes previstos para o empreendimento pelos fundos estruturais, com o nome dos proprietários bem visível. Tem sido alvo de mito urbano que a propriedade pertence à poderosa, ou hoje já não tanto, Isabel dos Santos, e que a família Albuquerque é apenas testa de ferro. Foi uma viagem que pudemos efetuar pela mão de Oscar Orihuela e Juan Trinado da empresa espanhola Camponuevo Tecnicas Agricolas SLU, escolhida pelos proprietários pelo seu know-how para colocar o projeto de pé. Os dois espanhóis davam a ideia de terem plena confiança dos proprietários e carta branca para colocarem em prática o mega projeto. No total 2200 hectares de olival seriam plantados entre a quinta e os terrenos da cadeia. Cinco mil toneladas de azeite seriam produzidas nestes terrenos do concelho de Azambuja. A produção até chegou a interessar a um bilionário saudita que andou a visitar empresas de Azambuja, mas sem repercussões práticas à posteriori. Diziam os nossos interlocutores que a Torre Bela estava totalmente focada no cultivo da azeitona. Já na altura arrancou-se parte do eucaliptal da propriedade e a ideia seria apostar cada vez menos na caça. Mas um ano depois tudo muda. O Valor Local avançou com a notícia sob o título "Bronca no Olival de Manique", com a Camponuevo Tecnicas Agricolas a ser despedida sem apelo nem agravo do projeto em que muita coisa ficou por explicar até hoje. Oscar Orihuela, em declarações ao Valor Local, no final de agosto de 2016, acusava os proprietários de uma comunicação unilateral. De um momento para o outro, proibiram a presença das máquinas da empresa espanhola na propriedade e o processo de saída foi tudo menos pacífico. Vários trabalhadores sazonais foram também despedidos neste confronto entre o proprietário e a contratada espanhola. Segundo o que o Valor Local conseguiu apurar, diversos fornecedores locais queixaram-se, à época, de que não estavam a ser cumpridos os pagamentos devidos por parte do projeto do olival e a empresa espanhola. Seguiu-se um diferendo judicial e com o caso a ser entregue aos advogados de ambas as partes. Na altura Nuno Albuquerque, ligado à administração da Torre Bela, dizia ao Valor Local que nada devia à Camponuevo, e que o projeto ia seguir o seu curso, como de resto ocorreu. Sobre o diferendo acabámos por não conhecer o desfecho, porque a dada altura os responsáveis espanhóis da Camponuevo optaram por ficar incontactáveis, após uma primeira fase em que alegavam que estavam disponíveis para contar tudo o que se estava a passar com a família Albuquerque. Já em 2017, é notícia o facto de a Quercus acusar a Torre Bela do abate de sobreiros com vista ainda ao projeto do olival. O arranque daqueles exemplares, cerca de 196 no total, ocorreu em dois hectares da quinta pela Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação, propriedade ligada igualmente à família Albuquerque. Dizia a Quercus a 16 de janeiro daquele ano, em comunicado, que o projeto de olival intensivo consistiu numa pressão injustificável dos promotores junto do ministério da Agricultura ao autorizar o corte de sobreiros. Uma situação "lamentável", aludia a associação ambientalista. A polémica era ainda alimentada pelo facto de o projeto não ter sido reconhecido por parte do Governo como "relevante e de sustentável interesse para a economia local". Dizia a Quercus nesse comunicado que embora o decreto lei n.º 169/2001, relativo à proteção do sobreiro e azinheira, prever a possibilidade de corte de exemplares destas espécies para empreendimentos agrícolas, esse reconhecimento governamental para o interesse do projeto teria de ser obrigatório. Para além disso, a área de corte estaria condicionada a não ultrapassar 10 por cento da superfície de exploração ocupada por sobreiros, o que também não foi respeitado. O facto é tanto ou mais reprovável porque, segundo os ambientalistas, uns anos antes, e depois de 2014 tinha sido efetuado um outro arranque ilegal de povoamento de sobreiros no local, com a conversão num projeto agrícola, sem que o Ministério da Agricultura o tivesse autorizado. A Quercus solicitou a intervenção urgente do Ministério da Agricultura e do Instituto Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para suspender qualquer autorização de abate de sobreiros verdes na Quinta da Torre Bela e não autorizar mais nenhum abate a arrendatários ou proprietária dos terrenos. Nuno Albuquerque voltou a falar com o Valor Local agora para se defender da associação ambientalista, e sempre por escrito. De acordo com Nuno Albuquerque, a autorização tinha sido obtida de acordo com a lei vigente. “Qualquer licenciamento desta natureza é comunicado ao ICNF e ao Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, o que consta da própria licença. Por nossa iniciativa foi oportunamente enviada cópia deste licenciamento à Junta de Freguesia de Alcoentre”, sustentava. O proprietário dizia ainda que o arranque dos sobreiros, cumpriu “integral e escrupulosamente o estipulado na licença obtida" e que isso mesmo puderam atestar presencialmente entidades como o ICNF e a GNR. Nuno Albuquerque, nas respostas que enviava ao nosso jornal, convidava a Quercus a retratar-se com um pedido de desculpas. Mas o pior ainda estava para vir. Em março deste ano, foram cedidos os direitos de superfície de duas parcelas da Quinta da Torre Bela às duas empresas de energias fotovoltaicas que pretendem instalar painéis solares na parte da propriedade que fica junto à Nacional 366. Ainda sem o reconhecimento de interesse público a conferir pela Câmara de Azambuja, e com o Estudo de Impacte Ambiental em curso, a Torre Bela arrepia caminho e começa a levar a cabo a limpeza dos terrenos com o arranque do eucaliptal e mais recentemente é acusada de ter estado no desencadear da caçada em causa. A Torre Bela defende-se e escusa-se a entrevistas com contraditório sobre o sucedido, mas envia para as redações um comunicado alegando que apenas disponibilizou 105 selos aos caçadores da "Monteros de la Cabra", um grupo de caçadas de Badajoz que ainda não se manifestou mas que esteve na origem das famigeradas fotografias que percorreram a internet e que fizeram notícia. O caso está entregue às autoridades e ao ICNF. Entretanto, o projeto da central fotovoltaica mergulhou em banho-maria. O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, mandou suspender a consulta pública referente ao Estudo de Impacte Ambiental. Simon Coulson, um dos promotores do parque fotovoltaico, ouvido pelo nosso jornal condenou o que se passou na Torre Bela e diz-se triste e que é alheio à caçada. O interesse no projeto deverá ser mantido mas sofre um forte abalo. Cenas dos próximos capítulos deverão seguir-se nos próximos dias. |
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