Um viver e um amar muito próprio fizeram os bordados da GlóriaEstão a ser alvo de um processo de candidatura a Património da Unesco, levado a cabo pela Câmara de Salvaterra.
Sílvia Agostinho
29-10-2018 às 20:27 Os Bordados da Glória do Ribatejo, um elemento bem distintivo das vivências desta localidade do concelho de Salvaterra de Magos, estão a ser alvo de um processo de candidatura a Património da Unesco, levado a cabo pela Câmara de Salvaterra. Fomos conhecer este trabalho peculiar que tem apaixonado gerações pela mão de Rita Pote da Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo. Desde o século XIX que há registos de as mulheres da Glória bordarem estes lenços para oferecerem aos seus namorados. No pano eram bordados símbolos muito específicos que na atualidade, e em alguns casos, têm-se revelado verdadeiros quebra-cabeças sempre que se quer investigar a história de cada lenço. Uma exposição permanente que acompanha a evolução desde o século XIX até apenas há algumas décadas atrás pode ser visitada na Casa do Povo da Glória.
Um longo trabalho de recolha através da reprodução exata das peças foi possível levar a cabo. “Quem vê o velho e o novo apenas distingue pela clareza do pano, pois estamos a falar de lenços já muito queimados e amarelados”, salienta a responsável. As iniciais dos namorados eram naturalmente bordadas nestes lenços que todas as mulheres jovens, que hoje são avós e bisavós, faziam. Há histórias de mulheres com vastas coleções de lencinhos para oferecerem aos namorados, que depois os levavam à cintura. Conceitos como os de fidelidade e do amor eterno aliados ao sagrado adquirem uma simbologia muito própria. “Temos corações com cruzinhas, pombinhas- símbolos da paz com uma corrente e uma cruz, corações com chaves, raminhos que assentam em três hastes (número que simboliza a hastes”, descreve Rita Pote. Não há um lenço igual ao outro. Estudou-se esta tradição até comparando com outras tradições semelhantes no país. Em todos os lenços “há a expressão de um grande amor sempre encarado de forma muito positiva e construtiva para a eternidade”. Em cada lenço eram também bordadas, muitas vezes, e em todo o redor do pano, as iniciais dos amigos – “Era o facebook da altura”. Um dos símbolos particulares é a árvore da vida bordada em espinho, símbolo do amor eterno, bem como a coroa dos namorados, algumas com florinhas do mato. As mulheres quase todas elas analfabetas bordavam letras, muitas ao contrário, o que não deixa de ser um pormenor interessante. Um dos motivos que se revelou mais desafiante para Rita Pote foi o de um bordado de um navio – “Pesquisei muito mas cheguei à conclusão que tinha como objetivo representar a viagem da vida ancorada na segurança”. O dicionário de símbolos é uma das bases bem como o contacto com as pessoas mais idosas. A recolha foi feita pela associação entre 2014 e 2016, e causou grande alvoroço na população que se movimentou em peso para ir buscar os lenços que as mães, avós e bisavós tinham na gaveta. Este é um trabalho que não se pode dizer que tenha continuidade nas jovens da terra, mas as mesmas “dão valor” à tradição. A comercialização destas peças também se resume apenas a uma loja na aldeia até porque segundo Rita Pote, dado o elevado pormenor e o número de horas gasto, cada uma teria de ser vendida no mínimo por 700 euros, se tivermos como critério a sua autenticidade. “Isto demora mais de um mês a confecionar”. “Não há de todo a massificação deste produto, porque sou da opinião que isso proporciona a degeneração”, diz. O objetivo é apenas o de dar a conhecer e o de honrar a tradição. Para Rita Pote este é um artesanato na senda dos bordados do Minho que as pessoas querem ter mas a preços acessíveis o que no seu entender é incompatível com o grau de preciosismo das peças glorianas e toda a sua tradição, resultante de uma “vida de prática” em que as mulheres começavam ainda crianças a bordar. “Temos um viver e um amar muito próprio que passa para estas tradições, também fruto do nosso isolamento, que resultou na união desta população”. A meio do século XX os bordados surgem com outras tonalidades, quando até ali se faziam apenas em vermelho e azul (cores do sagrado), mas essa transição foi natural. Na Casa do Povo da Glória podemos encontrar ainda em exposição toucas de bebés muito trabalhadas, e verdadeiras relíquias da memória coletiva, bem como a evolução do traje da mulher gloriana e a passagem pelas várias fases da vida: infância, casamento, viuvez.
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