Utentes dos centros de Saúde de Azambuja e Castanheira do Ribatejo vivem autêntica tortura
Utentes dos centros de Saúde de Azambuja e Castanheira do Ribatejo vivem autêntica tortura
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues
16-08-2022 às 13:37
São seis da manhã de uma das últimas quartas-feiras junto ao centro de Saúde de Azambuja. Um grupo de cerca de uma dezena de pessoas já está em frente ao local há largas horas. Começaram a chegar era uma da manhã para a consulta de recurso. A unidade apenas recebe um número muito residual de marcações para o telefone, e mesmo assim muitos se queixam de que não conseguem telefonar para o centro de saúde. De resto há 10 vagas todos os dias para o médico de recurso. Neste momento é o doutor Biscaínho quem está encarregue destas consultas, “e mesmo assim é preciso ter sorte porque quando há greve dos transportes ele não vem”, é nos dito. Estavam abertas três vagas para o centro de saúde de Azambuja, no mais recente concurso lançado pelo Ministério da Saúde, mas nenhum médico concorreu.
Desolados, os utentes, enfrentam uma autêntica maratona pela noite dentro de frio, melgas, em pé ou sentados nos degraus. Quem quer ter acesso à saúde em Azambuja, vive, por estes dias, uma via-sacra nunca antes vista. Quando eram seis da manhã, ainda faltavam duas horas para abrir. No rosto dos utentes vimos um misto de conformismo e de indignação de quem prescindiu de uma noite de sono para ter uma consulta. Idosos, pessoas com mobilidade reduzida, e no fundo gente doente que não tem outra solução. No dia da nossa reportagem encontrámos na sua maioria pessoas com idade superior a 50 anos.
João Cardoso chegou eram 3h30 da madrugada. Tivera um episódio de urgência no domingo que o levou ao Hospital de Vila Franca de Xira. Na segunda-feira deveria dirigir-se ao Centro de Saúde, mas não conseguiu vaga, pelo que dois dias depois e à cautela decidiu aguardar vez bem cedo para ter direito a uma consulta. Para passar o tempo restou-lhe “conversar com as pessoas e olhar para o telemóvel”,diz conformado. Quando chegou já havia oito pessoas à sua frente, mas ainda vai a tempo de ser contemplado com a consulta de recurso. Há dois anos que não tem médico de família.
Já Otília Piriquito foi a quarta a chegar. Sentada nos degraus do centro de saúde procura mostrar um ar de paciência e resignação. “É aguentar e ficar de cara alegre”. Mas não deixa de comentar que é uma vergonha o estado a que a saúde chegou no país e em particular no concelho de Azambuja. Chegou eram 2h30 da madrugada. O médico de família era o antigo diretor do centro de saúde, Mário Esteves que foi embora “há quatro ou cinco meses”.
16-08-2022 às 13:37
São seis da manhã de uma das últimas quartas-feiras junto ao centro de Saúde de Azambuja. Um grupo de cerca de uma dezena de pessoas já está em frente ao local há largas horas. Começaram a chegar era uma da manhã para a consulta de recurso. A unidade apenas recebe um número muito residual de marcações para o telefone, e mesmo assim muitos se queixam de que não conseguem telefonar para o centro de saúde. De resto há 10 vagas todos os dias para o médico de recurso. Neste momento é o doutor Biscaínho quem está encarregue destas consultas, “e mesmo assim é preciso ter sorte porque quando há greve dos transportes ele não vem”, é nos dito. Estavam abertas três vagas para o centro de saúde de Azambuja, no mais recente concurso lançado pelo Ministério da Saúde, mas nenhum médico concorreu.
Desolados, os utentes, enfrentam uma autêntica maratona pela noite dentro de frio, melgas, em pé ou sentados nos degraus. Quem quer ter acesso à saúde em Azambuja, vive, por estes dias, uma via-sacra nunca antes vista. Quando eram seis da manhã, ainda faltavam duas horas para abrir. No rosto dos utentes vimos um misto de conformismo e de indignação de quem prescindiu de uma noite de sono para ter uma consulta. Idosos, pessoas com mobilidade reduzida, e no fundo gente doente que não tem outra solução. No dia da nossa reportagem encontrámos na sua maioria pessoas com idade superior a 50 anos.
João Cardoso chegou eram 3h30 da madrugada. Tivera um episódio de urgência no domingo que o levou ao Hospital de Vila Franca de Xira. Na segunda-feira deveria dirigir-se ao Centro de Saúde, mas não conseguiu vaga, pelo que dois dias depois e à cautela decidiu aguardar vez bem cedo para ter direito a uma consulta. Para passar o tempo restou-lhe “conversar com as pessoas e olhar para o telemóvel”,diz conformado. Quando chegou já havia oito pessoas à sua frente, mas ainda vai a tempo de ser contemplado com a consulta de recurso. Há dois anos que não tem médico de família.
Já Otília Piriquito foi a quarta a chegar. Sentada nos degraus do centro de saúde procura mostrar um ar de paciência e resignação. “É aguentar e ficar de cara alegre”. Mas não deixa de comentar que é uma vergonha o estado a que a saúde chegou no país e em particular no concelho de Azambuja. Chegou eram 2h30 da madrugada. O médico de família era o antigo diretor do centro de saúde, Mário Esteves que foi embora “há quatro ou cinco meses”.
José Fuzeiro foi o primeiro a guardar vez. Era uma da manhã. Dois dias antes tinha chegado às seis, mas como já havia mais do que 12 pessoas à sua frente, teve de voltar para casa. No dia da nossa reportagem a consulta não lhe escaparia. “Não se admite o estado a que isto chegou. Está bem que é assim em todo o país, mas aqui em Azambuja não se compreende que haja só um médico para tanta gente”. Há perto de cinco anos que deverá estar sem médico de família – “Não consigo precisar, mas foi desde que o doutor Casimiro se reformou”. Recorrer ao privado está fora de hipótese “porque a reforma não dá para isso”.
Julieta Varela foi a terceira a chegar. Embrulhada numa manta refere que já não é a primeira vez que vem de madrugada para a porta do centro de saúde. Recentemente numa outra ida à Unidade de Cuidados Primários, vulgo centro de saúde, chegou era meia-noite, “e nesse dia fui a quinta”. Para além de uma noite de sono sacrificada, “passamos um grande sofrimento, porque amanhã mal vou conseguir andar”. Fala quem já tem experiência deste tipo de expediente para ter uma consulta em Azambuja. Há dois meses que não tem médico de família. Ir ao privado está fora de questão, dado que não tem condições financeiras para o fazer.
Julieta Varela foi a terceira a chegar. Embrulhada numa manta refere que já não é a primeira vez que vem de madrugada para a porta do centro de saúde. Recentemente numa outra ida à Unidade de Cuidados Primários, vulgo centro de saúde, chegou era meia-noite, “e nesse dia fui a quinta”. Para além de uma noite de sono sacrificada, “passamos um grande sofrimento, porque amanhã mal vou conseguir andar”. Fala quem já tem experiência deste tipo de expediente para ter uma consulta em Azambuja. Há dois meses que não tem médico de família. Ir ao privado está fora de questão, dado que não tem condições financeiras para o fazer.
Jaime Cardozo é colombiano e veio viver para Azambuja há dois anos. Conta que no seu país não há casos assim, pois a segurança é o grande problema. Com uma hérnia inguinal veio cedo para a porta do centro de saúde. Eram 3h30 da manhã. Nos dias anteriores veio às cinco da manhã, mas já não conseguiu consulta. Vem tentar obter uma baixa, porque não pode trabalhar.
Sílvia Martins foi a última a chegar. Nesta altura ainda não são seis e meia da manhã, mas já não vai conseguir ter consulta. Com uma mão partida veio a conduzir à procura de ter sorte, no fundo, para renovar a baixa. Vai ter de ficar para outro dia, ou seja, terá de chegar ainda mais cedo. “Já me tinham dito que estava mau, mas nunca pensei que estivesse assim com tanta gente a esta hora à espera.
Sílvia Martins foi a última a chegar. Nesta altura ainda não são seis e meia da manhã, mas já não vai conseguir ter consulta. Com uma mão partida veio a conduzir à procura de ter sorte, no fundo, para renovar a baixa. Vai ter de ficar para outro dia, ou seja, terá de chegar ainda mais cedo. “Já me tinham dito que estava mau, mas nunca pensei que estivesse assim com tanta gente a esta hora à espera.
ASSISTA AO VÍDEO DO VALOR LOCAL JUNTO AO CENTRO DE SAÚDE DE AZAMBUJA
Isabel Nogueira é uma das moradoras vizinhas do centro de saúde de Azambuja e refere que noite após noite assiste ao movimento de utentes que começa a chegar ainda de madrugada para ter consulta no outro dia. “Incomoda-me mais saber que aquelas pessoas estão ali a passar uma noite inteira ao relento, do que algum barulho que possam fazer”. Com frequência à uma da manhã “já se encontram várias pessoas à espera”. Isabel Nogueira conta que numa das madrugadas deste mês assistiu à chegada “de um senhor de oitenta e tal anos às 4h30, debilitado, e que trouxe um banquinho para a porta do centro de saúde para ir marcar consulta para a mulher que não se consegue mexer. Deixou-me muito impressionada”. Nessa mesma noite “disseram-me que ele era o último a conseguir consulta”. Isabel Nogueira afirma que por vezes é notívaga, seja porque está a preparar aulas, dado que é professora, seja porque gosta de ver televisão pela noite dentro e nesse aspeto dá conta – “Isto tem vindo num crescendo, porque inicialmente percebia que as pessoas chegavam de madrugada às quatro ou cinco da manhã, e agora é cada vez mais cedo. Já vi um conhecido ir para à porta às onze da noite. É inacreditável. Só falta as pessoas levarem saco-cama e irem dormir para ali”.

O Movimento Cívico pela Saúde em Azambuja esteve recentemente reunido com a ministra da Saúde, Marta Temido, que deixou algumas promessas de que pelo menos as condições de atendimento na unidade poderiam melhorar, não se comprometendo com mais médicos, “porque este é um problema que não se consegue resolver do dia para a noite”, argumentou a governante.
No dia da nossa reportagem convidámos Armando Martins, um dos rostos deste movimento, para nos dar o ponto de situação daquilo que poderão ser as mais próximas iniciativas pela saúde em Azambuja. Armando Martins confessa que já são muitas as promessas que ouviu desde o diretor da ARS-LVT, Luís Pisco, passando pela diretora do Agrupamento de Centros de Saúde do Estuário do Tejo, Sofia Theriaga, mas até à data nada de muito palpável foi alcançado.
Armando Martins quer soluções no terreno o quanto antes, “nem que seja recorrendo aos privados, em que os utentes possam ter uma espécie de livre-trânsito para se deslocarem a uma das clínicas privadas do concelho”. “A ministra disse que um médico demora muitos anos a formar, pelo que temos de encontrar alternativas, até porque alguns dos médicos que aqui estão no centro de saúde são de uma empresa privada que pelos vistos trata muito mal o concelho de Azambuja. Só pode haver aqui um grande lobby”. “Como é que se admite que cada vez mais as pessoas tenham de chegar ainda de noite para conseguirem consulta no dia seguinte. Isto é completamente terceiro-mundista”, desabafa.
Para piorar o estado de coisas, o centro de saúde não tem o ar condicionado a funcionar, pelo que torna ainda mais agrestes as condições que os utentes têm de enfrentar uma vez no interior da unidade. Depois do verão, o movimento equaciona algumas ações como uma marcha lenta na Nacional 3 em hora de ponta. Por outro lado, está a ser pensada uma deslocação em massa dos vários movimentos e utentes da área do Agrupamento de Centros de Saúde do Estuário do Tejo até ao ministério da Saúde para que a voz de descontentamento de todos se faça sentir bem alto. Já depois desta reportagem, Armando Martins reuniu-se com a nova diretora do centro de saúde que anunciou que 84 por cento da população de Azambuja está em risco de ficar sem médico de família.
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No dia da nossa reportagem convidámos Armando Martins, um dos rostos deste movimento, para nos dar o ponto de situação daquilo que poderão ser as mais próximas iniciativas pela saúde em Azambuja. Armando Martins confessa que já são muitas as promessas que ouviu desde o diretor da ARS-LVT, Luís Pisco, passando pela diretora do Agrupamento de Centros de Saúde do Estuário do Tejo, Sofia Theriaga, mas até à data nada de muito palpável foi alcançado.
Armando Martins quer soluções no terreno o quanto antes, “nem que seja recorrendo aos privados, em que os utentes possam ter uma espécie de livre-trânsito para se deslocarem a uma das clínicas privadas do concelho”. “A ministra disse que um médico demora muitos anos a formar, pelo que temos de encontrar alternativas, até porque alguns dos médicos que aqui estão no centro de saúde são de uma empresa privada que pelos vistos trata muito mal o concelho de Azambuja. Só pode haver aqui um grande lobby”. “Como é que se admite que cada vez mais as pessoas tenham de chegar ainda de noite para conseguirem consulta no dia seguinte. Isto é completamente terceiro-mundista”, desabafa.
Para piorar o estado de coisas, o centro de saúde não tem o ar condicionado a funcionar, pelo que torna ainda mais agrestes as condições que os utentes têm de enfrentar uma vez no interior da unidade. Depois do verão, o movimento equaciona algumas ações como uma marcha lenta na Nacional 3 em hora de ponta. Por outro lado, está a ser pensada uma deslocação em massa dos vários movimentos e utentes da área do Agrupamento de Centros de Saúde do Estuário do Tejo até ao ministério da Saúde para que a voz de descontentamento de todos se faça sentir bem alto. Já depois desta reportagem, Armando Martins reuniu-se com a nova diretora do centro de saúde que anunciou que 84 por cento da população de Azambuja está em risco de ficar sem médico de família.
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