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Utentes do Centro de Saúde do Carregado às 7h da manhã
A via-sacra dos centros de saúde

Não é novidade, mas a falta de médicos na região é dos assuntos mais falados e preocupantes nos diversos concelhos. A rebentar pelas costuras está a paciência dos autarcas e dos utentes face a esta situação. Fomos para a fila dos centros de saúde ouvir queixas, neste tomar do pulso à falta de médicos na região.

Sílvia Agostinho

O nosso périplo pelos centros de saúde tem lugar numa segunda-feira fria, e começa logo às sete da manhã junto ao centro de saúde do Carregado. No local, já estão seis pessoas à espera que as portas se abram dali a uma hora, às oito da manhã. A maioria dos utentes está ali devido a um episódio de urgência, e há que ir bem cedo para assegurar vaga. Este é um clássico que em Portugal já tem décadas, e continuará a ser enquanto formos deficitários de novos médicos.

Com um lenço de flanela atado ao pescoço, e com uma manta pelos joelhos, Elisabete Rocha foi a primeira a chegar. “Estou aqui desde as cinco e um quarto, e hoje não há médico”, refere inconformada perante o esforço para conseguir chegar cedo e “apanhar consulta”. Tenta aconchegar-se da melhor forma, mas mal chegou deparou-se com uma surpresa afixada no vidro da entrada com a informação de que naquele dia não haveria consultas nem para a doutora Conceição nem para a doutora Isabel. Uma circunstância que deixou ainda mais desmoralizadas as utentes que encontrámos. Esta residente no concelho de Alenquer recorda-se que já foi para a porta do centro de saúde do Carregado às 4h10 da manhã. “E como pode ver hoje não há consulta de recurso, morreu a mãe de uma das médicas, e outra está com atestado médico. Estou aqui para ver se consigo ser atendida pela doutora Helena, se não conseguir tenho de vir outro dia”.

“Custa muito ter de vir para aqui tão cedo, principalmente quando hoje estou com febre e cheia de dores de garganta”, lamenta-se Helena Lopes. (O termómetro por esta hora registava três graus). “É uma pouca-vergonha, não há respeito nenhum. Reformam-se médicos, outros vão-se embora porque se comenta que não se lhes paga ordenado”, junta Elisabete Rocha, embora confesse não ter “razões de queixa” da sua médica há mais de 30 anos, Conceição Cunha.

No caso da utente Tânia Coluna, esta confessa: “Hoje é um dia inteiro perdido só para vir para aqui. Aproveitei a minha folga no trabalho”. Ao contrário de Elisabete Rocha, Tânia Coluna refere que não gosta da sua médica de família. “É sempre a despachar não é atenciosa”. Veio ao centro de saúde naquele dia devido a uma urgência, mas sabendo de antemão como as coisas funcionam, prefere ir por vezes a um médico particular, ou ao hospital de Vila Franca. O Valor Local pergunta como funcionam as idas ao hospital e as utentes respondem em uníssono, gargalhando como que habituadas ao fado da saúde: “Oh isso ainda é pior!”. “A gente entra para lá com uma doença e sai de lá doentes da carola”, responde nestes termos, Elisabete Rocha. “Cheguei a estar lá sete horas e 20 minutos. Tinha pulseira verde. Fui com a minha mãe que estava a deitar sangue pelo rabo. Não pude desistir até saber do que se tratava”, conta desolada.

De acordo com informação prestada pela Câmara de Alenquer ao Valor Local, neste concelho, de momento faltam sete médicos a tempo inteiro  nos centros de saúde do município. Sendo que existem cerca de 24 mil pessoas com médico de família e 13 mil sem médico de família. Quanto às queixas, prendem-se principalmente com dificuldades ao nível do acesso a consultas em tempo útil e de carácter urgente. “As questões de saúde estão no topo das nossas preocupações e das nossas agendas, mas as competências dos municípios a este nível são residuais”, refere a autarquia, que acrescenta que continua a exercer “forte e permanente pressão junto das entidades competentes no sentido de resolver estes problemas”.

Junto da ARS – LVT tem insistido não só na falta de médicos como na necessidade de “um investimento sério na melhoria dos equipamentos, especialmente nos centros de saúde de Olhalvo e Abrigada.”

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28 pessoas aguardavam na fila no centro de saúde de Alverca às 7h30
ImagemOs três primeiros da fila em Alverca
Em Alverca, há quem chegue às 3h da manhã

Por volta das 7h30, estávamos já em Alverca, um dos pontos dramáticos da saúde na região. Cerca de 28 pessoas aguardavam pela abertura do centro de saúde, ao frio e algumas com ar visivelmente doente. “Às segundas-feiras já sabemos que temos de contar com filas enormes à porta do centro de saúde. Vou ver se consigo ter consulta de manhã, porque à tarde não posso faltar ao trabalho. Temos de lidar com o frio, a saúde está cada vez pior”, conta Maria Leal que chegou às sete. “No dia antes até tento não pensar que tenho de vir para a porta do centro de saúde para não me enervar”, acrescenta Estevão Correia, que chegou às sete e um quarto. Maria Leal acrescenta – “Deveríamos ter uma sala para aguardar o início das marcações, temos de aguardar cá fora ao frio e à chuva”.

Mais à frente na fila, vamos encontrar os que acabaram por vir para a aporta do centro de saúde ainda mais cedo, como Sandra Marques, desde as 6h30 à espera – “Já é a terceira vez que tento obter consulta, vamos lá ver se é desta, as vagas são poucas.”. Tem médico de família, mas as horas de espera acabam por ser um sofrimento para quem, acima de tudo, está doente – “Não entendo porque não abrem as portas para esperarmos lá dentro. Os seguranças não nos abrem a porta, com tanta gente aqui fora a passar mal. Escusávamos de estar ao frio e quando temos idosos que vêm às três ou quatro horas da manhã. Quando chove então nem há palavras, e com os seguranças lá dentro!”, descreve atónita com o estado de coisas. “Quando foi construído o novo posto médico, pensámos que poderia haver melhoras nas condições mas penso que o atendimento piorou. Não há lógica nenhuma nisto!”. Ao seu lado, o utente António Almeida, refere que já chegou a ir seis ou sete vezes para a porta da unidade de saúde para conseguir uma vaga, porque o médico de família só atende duas pessoas fora das consultas marcadas.

Quanto ao atendimento por parte do seu médico, Sandra Marques não está satisfeita – “O meu pai apanhou a legionella graças a ele, porque diabético e com febre, disse que não era preciso ir para o hospital”, diz. “Entretanto restabeleceu-se mas continua debilitado porque já tem 81 anos. Ficou a usar fralda”.

Jorge Dias é o primeiro da fila. Chegou às três da manhã, e nunca veio tão cedo. Está confiante que desta vez a sorte não lhe vai fugir e conseguirá por fim a almejada consulta. Sobre a saúde em Alverca ironiza, “está uma maravilha!”. Sabe que os seguranças têm ordens para não abrirem as portas, “porque os chefões é que mandam”. Manuel Cruz foi o segundo a chegar, às cinco da manhã. “Isto é abaixo de péssimo”, diz rindo. Etelvino Tiago que completa o pódio dos primeiros a chegar ao centro de saúde de Alverca naquela segunda-feira, sintetiza – “Os médicos podem ter boas intenções, mas depois acabam por não conseguir saber do nosso estado clínico. Porque num dia vimos e está cá um, mas da segunda vez aparece-nos outro”. “Já vim mostrar os exames a um médico diferente do primeiro que me atendeu”, acrescenta Manuel Cruz.

No último ano, o PCP levou a cabo algumas manifestações pela melhoria dos cuidados de saúde em Alverca, e Carlos Braga da comissão de freguesia daquele partido, diz ainda que as soluções de contratação de prestação de serviços médicos a empresas externas “não têm produzido resultados e primam pela incerteza”. Nesta freguesia, refere que há cerca de 13 mil utentes sem médico de família para uma população de 30 mil habitantes.

O presidente da Câmara de Vila Franca, Alberto Mesquita, adianta que tem pedido muitas reuniões com o ministro da Saúde e responsáveis da ARS, e destaca a “complexidade” do caso do centro de saúde de Alverca e do de Póvoa de Santa Iria. “Mas o de Alverca é o mais difícil” até porque recentemente, o corpo médico do mesmo recusou a inclusão de estagiários, alegadamente por questões “remuneratórias”. (Os clínicos à partida não estavam disponíveis para despender tempo na integração e no enquadramento clínico dos jovens médicos pelos mesmo ordenado.) “Sobre isso não comento”, refere o autarca mas dá a achega – “Poderão ter muita razão nos seus direitos, mas assim não conseguimos resolver os problemas de quem não tem médico de família. Vou continuar a insistir, até porque em outros centros de saúde conseguiu-se amenizar essa dificuldade”. E desabafa – “É incompreensível estarmos a formar médicos para irem para o estrangeiro, por um lado, e a contratar médicos estrangeiros, isto sem por em causa as suas capacidades, por outro”. 


Azambuja: 9 mil pessoas sem médico de família

O concelho de Azambuja é dos mais deficitários em termos de saúde, estima-se que metade da população não tenha neste momento médico de família, no total 9 mil utentes. O presidente da Câmara Municipal, Luís de Sousa tem-se reunido frequentemente com a ARS-LVT, e ao Valor Local informou que foi recentemente colocado um novo médico em Azambuja, e outro em Alcoentre, embora através de recrutamento através de empresas de serviços médicos, o que poderá continuar a configurar um clima de precariedade a curto/médio prazo.

No total, faltam 5 a 6 médicos no concelho de Azambuja. Neste momento, há mesmo habitantes de Manique a dirigirem-se à Unidade de Saúde de Familiar (USF) de Pontével, no concelho do Cartaxo. E no caso da freguesia de Aveiras de Cima, o facto de 800 utentes terem passado para a extensão de Aveiras de Baixo está a gerar algum desconforto. O presidente da junta, António Torrão, diz mesmo que “em Alverca (sede do ACES Estuário Do Tejo) devem ter pressionado um botão que ditou essa espécie de sorteio, porque estamos a falar de 800 pessoas, algumas delas idosas sem possibilidade de transporte, nem ao terreno vieram para fazerem esse selecção”.

Sobre a posição do presidente da Câmara de Azambuja que já disse não estar na disponibilidade de custear as despesas de um apartamento de modo a captar um médico estrangeiro, a não ser a custo zero num dos antigos apartamentos que serviam os guardas das cadeias de Alcoentre, diz não entender tal – “Já percebemos que o presidente não gosta de médicos estrangeiros, mas se os conseguíssemos radicar no concelho talvez não fosse mau. Esse tipo de ‘saídas’ do presidente sobre os médicos não são compreensíveis, depois eu é que tenho má-língua”, atira e sobe de tom –“Não me chocava nada que o município conseguisse uma solução desse género. O que me interessa é que as pessoas tenham médico. Não basta Luís de Sousa dizer que não tem competência para isso, que o Estado é que deve assegurar os médicos, tudo isso são desculpas fáceis”. Torrão tem a convicção de que o presidente da Câmara nesta matéria passa a vida a sacudir a responsabilidade dos ombros – “Assim ele não está lá a fazer nada, no lugar dele moía-me para arranjar médico, que mal tem custear um apartamento, assim continua-se a não investir um cêntimo na Saúde neste concelho”

Em resposta a Torrão, o presidente da Câmara refere: “O senhor presidente da junta que se preocupe, então, em arranjar para a sua freguesia um médico, apenas falei em Alcoentre porque temos casas do Estado que podiam ser cedidas gratuitamente”. Luís de Sousa não se deixa convencer pela política de hospedagem praticada por outros municípios – “Isso é com eles! Talvez o Governo possa dar mais mil euros aos médicos que venham para esta zona, e não só para os que vão para o interior”. E reitera que vai continuar a diligenciar apenas para as casas de Alcoentre, estando fora de hipótese arranjar um apartamento alugado pela Câmara.

Nesta mesma freguesia de Alcoentre, o presidente da junta, António Loureiro, confirma que as queixas mais frequentes se referem à “demora para consultas”, sendo também referidas “situações de conflito com o próprio clínico” que ali presta serviço. São conhecidas “queixas recorrentes por atraso na emissão de receitas, sendo que algumas são emitidas no Centro de Saúde de Azambuja”. Luís de Sousa espera que a anunciada colocação de um médico em Alcoentre possa minimizar estes casos, em que utentes daquela freguesia têm de vir a Azambuja só por causa das receitas médicas.

“Tendo em atenção as características e o  número de população, a extensão de saúde deveria contar com médico afecto e  com horário completo ou o preenchimento do horário da tarde”, conclui, por seu turno, o presidente da junta de Alcoentre.

O estado da saúde no concelho de Azambuja segue os mesmos contornos de caos em relação aos restantes. A via-sacra das consultas em Azambuja é cumprida à tarde. Para conseguirem ter acesso ao atendimento por um dos médicos do centro de saúde da sede de concelho, há que ir de manhã para se ser consultado à tarde. Maria Augusta conhece bem esta rotina, e das últimas vezes, foi para a porta da unidade às 10h da manhã para só ser atendida perto das 4h da tarde. “O doutor Casimiro até ficou muito preocupado porque o meu marido precisava de insulina, tem deficiência renal e deu ordens às enfermeiras e restantes funcionárias para que se voltasse a acontecer atenderem-no logo, porque se tratava de uma emergência. Disse-me para não esperar vários dias”. Também o filho completamente engripado esteve no outro dia no centro de saúde – “Teve de esperar cá fora, cheio de febre e a tremer o queixo, não deixam ninguém entrar antes do período das consultas, só o segurança permanece dentro do edifício”.

Helena Gonçalves também residente em Azambuja conta a sua história: “Não tenho nada a dizer nos últimos tempos, sou bem atendida e o tratamento é impecável, mas refiro que há sete anos atrás, fui barrada por uma funcionária que barafustou comigo porque reclamei em ser atendida. O meu filho queixou-se de uma dor no peito, pois tivéramos um acidente de carro nessa manhã, e quis certificar-me do que podia ser. Foi indelicada, e perguntou se eu não sabia ler pois estava escrito que não havia mais marcações”, relata e acrescenta – “Contudo, o grande problema é que a organização nestas coisas deixa a desejar, pois a maioria dos que ali estavam iam mostrar exames, enquanto no meu caso, se tratava de um episódio verdadeiramente de urgência médica. Pedi o livro de reclamações, e a funcionária perante isso começou aos berros a dizer que ia chamar o segurança”, sendo que “no final deste episódio e de  ter escrito no livro, o diretor do centro de saúde veio dar-me razão”. 

ImagemComissão de utentes quer saúde em condições em Benavente
Concelho de Benavente com saúde de primeira e de segunda

Se em Samora Correia tudo corre pelo melhor, com uma Unidade de Saúde Familiar (das primeiras no país) a garantir um funcionamento satisfatório aos utentes, em Benavente, os habitantes daquela freguesia, a par dos de Santo Estevão e Barrosa, ficam com a ideia de que têm acesso a uma saúde de segunda categoria, tendo-lhes saído a fava no bolo dos cuidados médicos.

Domingos David, da Comissão de Utentes, refere que das 8h às 20h, a unidade em causa apenas dispõe de dois médicos para quase 15 mil utentes, oito mil não possuem médico de família. Também neste concelho, as empresas prestadoras de serviços médicos não têm assegurado o melhor serviço e chegam ao ponto de agendarem as suas faltas, faltando, por isso, constantemente. “Por vezes, o mesmo médico que deveria entrar em Benavente às oito da manhã, saía de Évora a essa mesma hora, porque essas empresas asseguram serviços em vários locais”. O presidente da Câmara de Benavente, Carlos Coutinho, é também um feroz crítico destas empresas – “Acabam por vir para o nosso concelho médicos já com idades avançadas, alguns com um desempenho longe do aceitável, com graves lacunas a nível do cumprimento do que lhes é pedido”. Neste sentido, fez chegar as suas preocupações junto da ARS para que exista um maior rigor e “penalizações para estas empresas que não cumprem o estabelecido. É inaceitável que em certas alturas o médico nem sequer apareça, há falta de qualidade e de resposta”.

A comissão de utentes levou a efeito uma manifestação junto ao centro de saúde, e “entretanto soube que essa empresa já não ganhou o concurso mas a atual também não está a conseguir assegurar o serviço nas melhores condições”, diz Domingos David. Mais recentemente, um médico foi posto em Benavente, mas quase de imediato teve a possibilidade de ir para Cascais e foi-se embora. O presidente da Câmara de Benavente, Carlos Coutinho, tem dificuldade em entender este tipo de casos, refletindo que “os concursos públicos deveriam acautelar as situações de maior carência”.

A localização de uma unidade de saúde familiar em Samora Correia, a escassos quilómetros, começou também a ser um chamariz para os médicos que estavam em Benavente, face a melhores ordenados, “desguarnecendo a sede de concelho”. “Esse é que é o problema!”, resume Domingos David. Alguns milhares de utentes de Benavente foram com os médicos para a USF de Samora, “mas médicos que vieram de outros concelhos também trouxeram para aquela USF os seus doentes acoplados”, continua a descrever. A USF tem cinco médicos permanentes, mais o da extensão de Porto Alto, e ainda quatro estagiários em fim de curso – “Estamos a ver se esses estagiários podem vir para Benavente”, e com isso organizar o centro de saúde de Benavente.

Domingos David refere que o centro de saúde de Benavente já está indicado como USF mas o processo não tem andado. Por enquanto, a comissão vai sonhando em conseguir “os mesmos cuidados de qualidade e de boa fama” de Samora Correia, onde o nível de queixas é inferior. Por enquanto, “vamos tendo dois tipos de saúde completamente diferentes no concelho”. “Precisamos não só de médicos, mas também de enfermeiros, e de pessoal administrativo”.

Contudo não há bela sem senão, e nos últimos tempos, a USF de Samora tem sido alvo de críticas por querer deslocar o único médico que está na extensão de Porto Alto, adstrita àquela USF, para a unidade na cidade em causa. “Não queremos prescindir desta alternativa. A USF alega que uma boa fatia de utentes do Porto Alto já se desloca a Samora, para querer encerrar aquela extensão, mas desejamos chegar a um ponto de consenso”, informa Coutinho.

António Lameiras, também da comissão de utentes, desabafa – “Têm-nos tirado tudo, até na questão de algumas operações que se faziam no hospital da santa casa que acabaram por nos ser retiradas. O Estado quer é dar dinheiro ao grupo Mello e manda tudo para Vila Franca. Isto é inadmissível”.

O presidente da Câmara na tentativa de minimizar as ondas de choque da falta de médicos diz que na última reunião que teve com o ministro e ARS sugeriu que os médicos da Santa Casa de Benavente possam assegurar os cuidados diurnos no centro de saúde, já que o fazem com alguma eficácia no período da noite. “Estamos a ver até que ponto a Santa Casa conseguiria agilizar”.

Carlos Coutinho também gostaria de ver replicado o modelo de Samora em Benavente, já que considera que aquela USF tem demonstrado “uma forma de trabalhar extraordinária, apesar de sabermos que aquelas unidades têm um efeito de eucalipto e secam tudo à volta, mas o desejável era que a de Benavente pudesse também seguir esse modelo de gestão”.


ImagemUSF foi criada em 2007
O mundo à parte da USF de Pontével

Tidas como unidades modelo, as USF são vistas como o futuro dos cuidados de saúde primários. Fomos conhecer a unidade D. Sancho I, na freguesia de Pontével, Cartaxo. Falámos com a utente Olinda Belchior que reconhece que a unidade tem boas condições, mas como alberga mais habitantes para além dos de Pontével, “às vezes assiste-se a uma grande balbúrdia”. Tem médico de família, mas lamenta que a unidade esteja encerrada aos fins-de-semana, proporcionando que em caso de urgência se “entupa Santarém”. “Passamos lá horas infinitas que se podiam resolver aqui”. Esta utente sentada à espera de poder ter a sua consulta não hesita em desabafar quanto ao hospital de Santarém – “Por vezes o que nos custa nem é o tempo nas urgências, é o mau atendimento por parte de certos médicos”.

Quanto à USF de Pontével, o enfermeiro Hugo Sousa, reforça que “a equipa é dinâmica e com vontade de fazer. A maior parte dos médicos e enfermeiros veio do centro de saúde do Cartaxo”. Várias vezes alvo de auditoria, esta unidade tem de provar o que vale, em planificações por objetivos de desempenho, e este ano até ganhou o concurso da missão sorriso, pelos cuidados prestados domiciliarmente no seio familiar aos recém-nascidos. “Candidatámo-nos com mais 360 projetos de saúde no país, 53 venceram este prémio, mas nós fomos a única unidade de saúde familiar a conseguir, o que é um grande orgulho”. Com uma vasta área como Pontével, Vale da Pinta, Ereira, Valada, a USF com essa verba vai adquirir uma viatura.

“Como as altas hospitalares são cada vez mais cedo, às 48 horas, temos necessidade de prestar esse acompanhamento nas casas dos nossos utentes inscritos, elucidando-os sobre a amamentação, o sono da criança, o estado do berço, os cuidados de higiene, as cólicas e é em suas casas que encontramos esse ambiente propício”.

Quando falta um médico nesta unidade tal não é o fim do mundo, “pois todos os outros acabam por dar apoio e colmatam essa falha, por isso as unidades trabalham de forma diferente e são um sucesso”. “Acreditamos que juntos somos mais fortes, é este o lema da nossa unidade”. Hugo Sousa indica que o caminho na Saúde está em aplicar o instinto de competição e de superação: “Só se tem ganhos!”, e desmistifica os incentivos monetários superiores nas USF – “Há melhorias económicas, mas também mais trabalho e sem horários”. A USF de Pontével possui seis médicos, seis enfermeiros e também seis assistentes técnicos. Pontével assegura o pólo de Valada e de Vale da Pedra, mas também possui utentes de Aveiras e da Maçussa, no concelho de Azambuja, que “procuraram esta unidade”.

Contactada a Câmara do Cartaxo, e perante o universo de 24462 habitantes no concelho, é referido que nos últimos dois anos houve uma redução de três médicos na outra USF do concelho, a Unidade Saúde Familiar Cartaxo Terra Viva, devido à qual cerca de 3500 utentes não têm médico de família. “A USF tem feito todos os esforços para assegurar o atendimento aos grupos de risco e adultos em situação aguda. Tem sido equacionada a possibilidade da realização de obras nas extensões de saúde de Vale da Pedra e Valada, tendo já havido uma visita por parte da diretora do ACES Lezíria a estas unidades”, é referido.

Quanto a esforços desenvolvidos junto daquele organismo, o presidente da Câmara Municipal teve ainda a oportunidade de “reiterar a sua preocupação com o número de utentes que se encontra sem médico de família, considerando que este é um caso ao qual temos de dar resposta imediata”

Resposta à doença aguda na linha da frente

 Sobre o sucesso que as unidades de saúde familiar possam estar a ter em comparação com os centros de saúde, António Godinho, médico no hospital de Vila Franca de Xira que já assumiu cargos a nível da estrutura orgânica na administração regional de saúde, refere que o futuro pode passar de facto por aí, até porque reconhece que os doentes inscritos nas USF deslocam-se menos vezes aos hospitais, por exemplo. “São mais bem referenciados nas consultas externas, até porque as USF têm de atingir determinados objetivos para subirem, e obterem compensações”, e não tem dúvidas – “Normalmente, a maioria dos médicos dos centros de saúde já está instalada e possui menores índices de ambição”, mas isto “bate no fundo com o que devem ser os cuidados de saúde primários no país”, não tem dúvidas em considerar. O que acontece é que “as USF são mais caras e o Estado português tem dificuldade em assumir mais compromissos nesse sentido”. E por isso não duvida, “há que trilhar caminho na resposta à doença aguda nos cuidados de saúde primários, com uma organização diferente, em que o médico pode fazer tudo, desde estudar, consultar doentes, falar com as famílias, e reunir-se com os colegas. Estar o dia todo na unidade”.

 
Salvaterra disponível para arranjar mais alojamentos para médicos

Ao contrário do concelho de Azambuja, a Câmara de Salvaterra encontra na cedência de um alojamento, e no pagamento das contas com a habitação aos médicos, uma boa solução, que ainda longe da ideal tem servido para remediar males maiores no concelho. De acordo com a Câmara, ao Valor Local, em recente reunião com a diretora do ACES Lezíria, constatou-se que dos 12 médicos de família que prestam cuidados no concelho, apenas restam cinco médicos, o que faz com que 58% da população do concelho de Salvaterra de Magos (22 mil habitantes) não tenha médico de família.

Esta situação tem sido de algum modo “minimizada” pelos três médicos estrangeiros que estão no concelho, dois deles garantindo o funcionamento da extensão de saúde de Glória do Ribatejo e o outro colocado na extensão de saúde de Marinhais. “Os médicos estrangeiros que têm escolhido continuar no nosso concelho, fazem-no porque aqui encontram o enquadramento e o apoio que a Câmara Municipal lhes disponibiliza e que acabam por reconhecer”, considera a autarquia.

A Câmara não tem dúvidas, para a fixação destes médicos “contribui decididamente o facto de o Centro de Bem Estar Social de Glória do Ribatejo e de Marinhais disponibilizarem transporte e alimentação, sempre que necessário, cabendo ao município suportar as despesas de arrendamento de habitações, bem como os encargos resultantes de eletricidade, água e comunicações.” Face às carências, a autarquia reforça que está disponível para continuar a assumir este encargo, embora se encontre preocupada com “a precariedade da sua contratação”.

Fomos conhecer a médica escocesa que presta serviço na extensão da Glória do Ribatejo, Chantal Llano, 33 anos, que chegou à localidade em dezembro de 2013. A oportunidade de vir para Portugal coincidiu com uma abertura na sua vida pessoal, já conhecia o país e gostava. Diferenças entre Portugal e Escócia na saúde são muitas. No seu país, o serviço “é melhor organizado. Todos os utentes tem médico”. Trabalhava num hospital numa cidade do tamanho de Santarém, e esta é a primeira experiência em ambiente de centro de saúde.

A adaptação não foi fácil, desde a prática da medicina aos termos técnicos bem como a língua. O grande desafio de Portugal e dos países ocidentais na sua opinião prende-se com o combate a doenças como a hipertensão, diabetes, obesidade, e apostar na prevenção é fundamental, e “esta área é pródiga neste tipo de doenças”. Quanto à sua integração, tem casa em Salvaterra e quando se lhe pergunta sobre a aceitação da população local, não tem dúvidas – “As pessoas da Glória são super carinhosas, e passam a vida a oferecer-me peças bordadas”, e mostra algumas delas à nossa reportagem. Mas também é presenteada com alfaces, legumes e ovos. “É completamente diferente do meu país, onde o médico é visto como um cidadão comum, aqui há muito respeito pela figura do médico”.

Nos seus tempos livres, dedica-se a passear, e gosta particularmente de Alcácer do Sal.

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Chantal Llano diz-se adaptada a Portugal
Sílvia Agostinho
edição março 2015

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