Vila Franca Centro: Fechou há seis anos mas os problemas continuam Miguel António Rodrigues/Sílvia Agostinho Imagens atuais do interior do edifício: André Ramalho 09-01-2020 às 11:14
Há seis anos que o Vila Franca Centro foi encerrado, mas ainda há quem possua bens no interior do espaço e continue sem acesso àquilo que por lá deixou. Os lojistas que compraram as suas lojas continuam a pagar Imposto Municipal sobre Imóveis, entre 100 a 200 euros. As mágoas perduram e mais do que os prejuízos financeiros lamentam as atitudes da administração. O ano de 1994 ficará para sempre marcado na memória dos vilafranquenses. O concelho ainda gerido pelo PCP começava a dar os seus passos rumo à modernidade, acompanhando outras localidades da região de Lisboa. Foi na era do anterior presidente da Câmara, Daniel Branco, que se começaram a gizar os planos para construir de raiz o maior Shopping do Ribatejo. O Vila Franca Centro nascia a 19 de novembro desse mesmo ano, no local onde no passado existira um cinema à moda antiga e com a grandiosidade de outros tempos.
O novo edifício, arrojado e de linhas modernas, foi implantado assim no local onde à época existira também um velho terminal rodoviário e algumas casas velhas a precisar de reforma. O Vila Franca Centro assumiu-se como uma “machadada” na economia da região, atraindo centenas de pessoas oriundas da Grande Lisboa, mas também da zona centro do país e do sul. A obra executada pela empresa Obriverca de Eduardo Rodrigues, empresário de Alverca, não demoraria muito para ser reconhecida como uma parte importante da economia da região. Não era para menos. O complexo com cerca de 180 lojas, duas salas de cinema, e uma sala IMAX, tecnologia que acabou por não vingar na cidade, foi assinado pelo arquiteto Arsénio Espinosa, mas os planos iniciais previam que fosse Tomás Taveira, que projetou os edifícios das Amoreiras em Lisboa e os estúdios de informação da SIC, primeira televisão privada do país e contemporânea do Vila Franca Centro.
Na memória de muitos, estão as lojas de marcas internacionais, o primeiro McDonalds de Vila Franca de Xira, os cinemas, o bingo do vilafranquense que chegou a estar no local, bem como toda a restauração e muitas outras lojas de particulares que vingaram naquela localização.
À época faziam-se passeios em família a este centro comercial da moda. À hora de almoço, os restaurantes enchiam-se com os empresários e trabalhadores das empresas circundantes, e até os bancos que se instalaram no interior do complexo possuíam um movimento incrível com filas intermináveis para se levantar ou simplesmente depositar-se um cheque. Nos tempos áureos, o espaço foi ele também o “centro” das atenções. Fizeram-se sorteios de viagens e de carros, à boleia da extinta Rádio Ateneu, que promovia os passatempos junto dos transeuntes e clientes do espaço, e os difundia para a região de Lisboa para os seus ouvintes.
Foram tempos de glamour e de economia em expansão. Nada demovia a dinâmica do espaço que assentava em muito nos comerciantes e no bom gosto que tinham em ter as suas montras decoradas e os seus negócios a florescer.
Aliás, o Vila Franca Centro foi mesmo acusado de “matar” o pequeno comércio. O mesmo que agora tenta sobreviver nas ruas circundantes do velho centro comercial e que “chora” a falta de clientes. O Vila Franca Centro destronou por breves anos o velhinho Centro Comercial da Mina, mas aquilo que manteve o pequeno centro a funcionar até aos dias de hoje, foi talvez aquilo que faltou para que o Vila Franca Centro prosseguisse aberto: mais espírito de união entre lojistas e administração.
Ouvidos pelo Valor Local para esta reportagem, os comerciantes que ainda hoje têm as suas lojas fechadas naquele complexo, culpam a administração pelo estado a que tudo chegou.
A falta de entendimento entre empresários e os responsáveis pela gestão foi o bastante para que se encerrasse as portas de um edifício, com lojas lá dentro que eram propriedade, em muitos casos, de quem as adquiriu- os comerciantes. Na prática, foi como se um senhorio trancasse a porta do inquilino com todo o recheio dentro de casa e sem que este tivesse a acesso ao mesmo. Aliás esta é uma das queixas para com a administração e o banco que comprou as lojas pertencentes à Obriverca, que as detinha na sua maioria. A Obriverca que era a principal acionista do Vila Franca Centro, e que de forma quase unilateral fechou as portas do centro, contra a vontade dos outros proprietários, é ainda hoje alvo de críticas por parte dos restantes empresários que apesar de não terem acesso às suas lojas, continuam a pagar impostos sobre elas, nomeadamente o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
Cabeleireira Fátima Martins assume desgosto
Sinais de degradação da sua antiga loja saltam à vista
Comerciantes indignados lamentam mais as atitudes do que o prejuízo financeiro
Muitos foram os comerciantes que não conseguiram trazer os seus bens para os novos espaços. Ao nosso jornal, explicaram que tiveram cerca de um mês para procurar alternativas, no entanto, em muitos dos casos, não encontraram espaços com dimensão suficiente para transpor alguns equipamentos de grandes dimensões, como foram os casos da restauração, de um ginásio, de um cabeleireiro, e muitos outros.
Para muitos a solução foi encontrar lojas mais pequenas, para outros o abandono da atividade, e para outros, o desespero foi tal, que ainda nos dias que correm nem querem relembrar o passado.
Certo é que até ao último dia, os comerciantes ouvidos nesta reportagem garantem que tiveram clientes. Asseguram que na reta final de 2013 o negócio estava em queda, como aliás um pouco por toda a parte. Viviam-se naquela altura os anos duros da crise, mas os clientes, contam-nos, continuavam a visitar o Vila Franca Centro e a fazer despesa.
Para estes mesmos empresários, a decadência do espaço não tem volta a dar e preferem não falar dos sucessivos atos de vandalismo que o edifício tem sofrido. O desgosto e as lágrimas apoderam-se da face de algumas das pessoas com quem falámos, que voltaram a ver os seus bens pessoais completamente arruinados, quando um grupo de fotógrafos do site “Abandonados.pt” deu a conhecer ao país o estado em que se encontravam muitas das lojas, como se por aqueles lados tivesse passado um desastre natural, ou estivéssemos perante um cenário de guerra. Os bens foram deixados à sua sorte. Dizem-nos que a dada altura não era difícil entrar dentro do Vila Franca Centro. Os comerciantes dizem que os seus bens não estão nem à guarda do banco, nem de quem comprou as lojas da Obriverca e o estacionamento.
Muitos dos lojistas que habitavam à época o Vila Franca Centro estão hoje nas imediações do edifício. São exemplos disso a cabeleireira Fátima Martins, e Luísa Fonseca ligada, neste caso, ao comércio de produtos naturais, agora estabelecida numa loja mais pequena junto ao tribunal.
Mas há mais exemplos. Da restauração ao mundo dos telemóveis passando pelas lojas de roupa de marca, muitos foram aqueles que optaram por ficar na zona, porque em parte esperavam manter a clientela, ou porque à época e enquanto o centro esteve ativo, foram fechando e consequentemente vagando alguns espaços em seu redor.
Com o negócio a florescer até 2013, muitos dos lojistas lamentaram o encerramento do espaço. A falta de clientes nunca foi problema e garantem que vinham de muitas zonas, desde Lisboa a Pombal, passando pela própria região. Um desses exemplos é apontado por Fátima Martins. A cabeleireira que hoje está num espaço que é um terço daquilo que eram os seus dois salões, garante que até ao último dia “nunca faltaram clientes”.
Talvez por isso muitos dos comerciantes do Vila Franca Centro, considerem que o fecho não se deveu ao aparecimento do Centro Comercial Colombo ou do Vasco da Gama em Lisboa. Embora o acesso via comboio fosse facilitado, certo é que a maioria das pessoas com quem falámos, culpa não só a administração como as pessoas de Vila Franca que se habituaram a desdenhar o que tinham à porta de casa, e agora multiplicam-se em fóruns de debate no Facebook a lamentar o fecho da unidade.
Fátima Martins fala com saudade dos tempos de união do Vila Franca Centro. A cabeleireira diz só ter “boas memórias” e as saudades são muitas. “Não gosto de estar numa loja na rua. O ambiente é diferente”, desabafou ao Valor Local.
Lá dentro, garante, “angariávamos clientes de todo o lado, que vinham de bem longe”. Hoje abundam na cidade obras um pouco por toda a parte, “que começam e nunca mais acabam”; e existe falta de estacionamento. É com nostalgia que lembra que o Vila Franca Centro “foi bom desde o primeiro ao último dia”.
A cabeleireira diz que teve quatro anos sozinha num piso, sem outra loja aberta em seu redor, e que mesmo assim o negócio não parava “e sobrevivia bem” lembrando que no início laboravam ali seis cabeleireiros. Foi a única deste setor a permanecer até ao fim, e por si afiança “que o centro fechou pela má administração que teve e pelos condomínios altíssimos”. Com condomínios a rondar os 1500 euros (moeda atual) o centro aberto em 1994 nunca atualizou ou mexeu nestes valores.
Em algumas reuniões de condomínio, o assunto terá sido abordado várias vezes, mas a administração que detinha a maioria das lojas, nunca aceitou negociar os valores, embora nos últimos anos, já em decadência, o assunto fosse admitido, mas sem nunca se chegar a vias de facto.
Fátima Martins que se assume como uma nostálgica dos tempos de glamour do Vila Franca Centro, recorda que os valores praticados pela administração eram surreais. Os mesmos valores eram praticados no Centro Comercial das Amoreiras, que ficava numa zona nobre de Lisboa, e com um tipo de público substancialmente diferente.
Posto isto, “muitos preferiram comprar as lojas”, o que foi o seu caso, porque a soma das rendas mais a soma dos valores de condomínio eram muito mais elevadas. Compensou à época adquirir o espaço à administração, pois ficou-se com uma prestação mais reduzida ao banco. No entanto essa aquisição teria um efeito perverso na vida destes lojistas. Se por um lado era financeiramente mais confortável, por outro a decisão de se fechar o centro deixou muitos dos empresários numa situação insustentável. No caso de Fátima Martins, que chegou a ter dois salões de cabeleireiro, para homens e senhoras, deu emprego a cerca de duas dezenas de pessoas. Hoje e com um espaço mais pequeno, faz o seu dia a dia com duas empregadas que a acompanham desde esses tempos.
Em 2013 fecharam as portas do Vila Franca Centro. A maioria conseguiu encerrar o espaço contra a vontade de outros que tinham lá dentro as suas lojas e que ficaram sem acesso às mesmas, com a agravante de muitos, como foi o caso de Fátima Martins, não conseguirem retirar alguns dos materiais, nomeadamente, equipamentos dos dois salões, por falta de tempo para o fazer e de um espaço condigno para os colocar.
Sem certezas quanto ao futuro do Vila Franca Centro, Fátima Martins não vê que a situação possa mudar. Continua a pagar IMI do espaço e a “chorar” o meio milhão de euros investido em material topo de gama.
No mesmo caminho está Luísa Fonseca. A responsável por uma loja de produtos naturais, revelou ao Valor Local que até ao último dia continuou a manter os seus clientes. Seis anos depois, continua a trabalhar num espaço muito mais reduzido, também cerca de um terço da loja que tinha no Vila Franca Centro.
Tal como Fátima Martins, Luísa Fonseca e o marido José Fonseca, deixaram no Vila Franca Centro muitas coisas que não conseguiram levar para o novo espaço. No entanto Luísa Fonseca não precisou de comprar a loja ao Vila Franca Centro. A empresária explica que o seu avô era proprietário de uma pensão nos terrenos onde hoje está o edifício e que obteve a loja através de permuta, por via de uma herança.
“O prejuízo é grande porque a loja ficou lá e não podemos entrar no centro para ir buscar as nossas coisas” e para além disso “somos obrigados a pagar o IMI, caso contrário vão-nos às contas e aos bens pessoais”.
Luísa e José Fonseca falam em inconsistência por parte de alguns lojistas. “Muitos não pagavam condomínio”, lembrando que quando os comerciantes ocupavam frações alugadas “tinham de pagar não só a renda como o condomínio, e isso tornava tudo mais complicado”, refere o casal que aponta o dedo à inflexibilidade da administração.
Na antiga loja estão ainda os móveis e as prateleiras onde os produtos eram expostos. Luísa Martins refere que o espaço era grande, não fechava à hora de almoço e lamenta o facto de ter despedido duas pessoas, a quem teve de pagar algumas indemnizações, e com quem trabalhou desde o início. Agora, Luísa Fonseca está numa loja alugada e por isso lamenta ter um espaço seu que não pode utilizar.
Numa das ruas adjacentes ao Largo do Município fica a ourivesaria de Conceição Félix. Diz que foi das últimas a abandonar o centro no último dia do seu funcionamento. Lembra que o negócio, no seu caso, correu bem, mas na generalidade as lojas sentiram e muito a concorrência do Colombo e do Vasco da Gama, que a dada altura deste percurso do Vila Franca Centro, abriram portas na capital. “Lembro-me de ter ido num dia ao Vasco da Gama e de ter visto muitas caras de Vila Franca. Afetou e de que maneira”, conta. A gestão do Vila Franca Centro também contribuiu para a decadência daquele complexo pois a dada altura “os elevadores já não funcionavam”, e “tínhamos de ser nós, os lojistas a limpar as casas de banho e corredores”. Tudo isso contribuiu para que “os clientes reclamassem cada vez mais”.
O anúncio de que o centro comercial ia fechar deu-se com um mês de antecedência, e por isso teve de fazer as mudanças de forma urgente. O que valeu foi já ter um sítio prévio onde “enfiar as minhas coisas”, caso contrário podia estar, ainda, a contas com os mesmos problemas de outros lojistas que não tiveram meios de retirar o recheio do interior do centro. Contudo não conseguiu replicar nas atuais instalações o que antes conseguira no centro. A sua loja tinha outro glamour. “Vendia outros artigos que não possuo aqui, e clientes de outras zonas do país”.
O ambiente entre lojistas e administração era de cortar à faca. “Havia muitas rendas e condomínios por pagar e o clima não era dos melhores”, lembra-se. No seu caso, a loja tinha sido comprada desde o início e como tal o prejuízo acabou por ser elevado. “Foi tudo muito injusto, a administração não geriu aquilo como deve ser. Alguns lojistas não cumpriam com as obrigações, e como tal houve um misto de culpa de parte a parte”.
Conceição Félix lembra-se bem do movimento e de um centro comercial auspicioso dos primeiros tempos, com uma dinamização que impulsionava um movimento nas lojas muito à frente para a época, em que se faziam sorteios, passatempos, e outras atividades. Quanto aos esforços da Câmara neste tema, a comerciante lembra que a antiga presidente da Câmara “ainda tentou fazer alguma coisa”, mas “ficou tudo em águas de bacalhau”. Tal como os demais lojistas ainda paga IMI da loja.
“Passei 20 anos da minha vida ali. Quando soube que ia fechar faltou-me o chão. Foram muitos dias a trabalhar até às duas ou três da manhã, como os seguranças à espera que eu fechasse a porta. Tive um desgosto muito grande. O que tinha a sofrer já sofri. Já fiz o meu luto”. “Mais do que o prejuízo financeiro, lamento as atitudes”, declara.
Venda insólita de uma das lojas Numa das entradas do Vila Franca Centro, está uma placa a indicar o contacto de uma agência imobiliária, a LC Premium. Quem por ali passa pode julgar que o edifício está à venda. É nos dito por Pedro Lemos dessa agência que aquilo que está à venda é uma das lojas pertencentes a uma sociedade que se encontra em insolvência. “Como sabe nessas situações, os credores tentam ir buscar todos os bens, é esse o caso”, embora reconheça que dificilmente a loja será vendida. O centro comercial está fechado e assim deve ficar pelo menos nos próximos anos.
Câmara adquire o estacionamento mas não tem outros planos para o edifício
No passado mês de outubro, a Câmara de Vila Franca de Xira anunciou a aquisição do estacionamento do Vila Franca de Centro, com a perspetiva de fazer face aos problemas de parqueamento na cidade. Ao todo vão ser investidos perto de 200 mil euros. A aquisição das duas parcelas do edifício que correspondem à zona de estacionamento (cave e 3.º piso) vai permitir disponibilizar à população um total de 188 lugares adicionais de estacionamento.
Ao Valor Local, o presidente da autarquia, Alberto Mesquita, refere que estima colocar durante os primeiros meses do ano que vem este espaço à disposição da população. Como tal, a autarquia está a levar a cabo “as necessárias intervenções de limpeza, recuperação e conservação dos espaços que são agora da sua propriedade, assegurando todas as condições, inclusivamente de segurança, para todos quantos venham a utilizar este parque de estacionamento.”
O município, às questões do nosso jornal, refere ainda que uma possível reutilização e dinamização futuras não é da sua responsabilidade pois trata-se de um empreendimento privado. Quanto aos problemas dos comerciantes ouvidos na nossa reportagem, e ao facto de ainda possuírem equipamentos diz que a Câmara não tem competências diretas sobre a gestão das parcelas do edifício. No que se refere ao facto de os comerciantes continuarem a agar IMI, a Câmara alega que a Lei das Finanças Locais não permite que o município faça isenções. Qualquer desagravamento fiscal só poderá ser considerado se houver “tutela de interesses públicos relevantes e a sua formulação deve ser genérica e obedecer ao princípio da igualdade, o que não se aplica neste caso”, diz o município. Isto mesmo já foi respondido aos interessados em 2017, o facto de não existir enquadramento legal.
Relativamente à higiene do espaço, assegura que “a autarquia já realizou, por diversas vezes, ações de limpeza e também de isolamento do edifício, a fim de impedir atos de vandalismo, ocupação indevida ou mesmo de falta de civismo, que infelizmente ocorrem com frequência”. “Mas também a este nível é essencial que todos cumpram com as suas obrigações”, diz numa alusão a quem tem responsabilidades no edifício.
O autarca diz ainda que a Câmara Municipal “tem estado sempre atenta e tem vindo a intervir, em articulação com as entidades financeiras que presentemente detêm a maioria daquele património, no sentido de minimizar os problemas associados ao encerramento prolongado de um edifício daquelas dimensões. “
Em tempos, Rui Rei do PSD defendeu a implosão do edifício como uma solução para aquele espaço. Já a CDU, através de Nuno Libório, apresentou reservas quanto ao negócio do parque de estacionamento e lembrou o estado de degradação do edifício, referindo que a Câmara vai gastar 200 mil euros nas obras e contribuir para a ajuda a um privado que deixou o edifício chegar ao estado em que se apresenta.