Residente no concelho de Azambuja há 17 anos, Virgínia Estorninho, militante do PSD, foi um dos rostos da luta política que se seguiu ao 25 de Abril. Em entrevista, dá conta dos tempos de luta conturbada, e fala ainda dos políticos de hoje
Desde muito cedo que Virgínia Estorninho começou a formar as suas opiniões políticas, quando assistia televisão na casa de um senhor para quem trabalhava, aos 12 anos, a tomar conta dos filhos. Na década de 70, em 1973, participou numa manifestação com o MRPP. Virgínia conta que nesse dia apareceu um polícia com cacetete que já conhecia, porque lhe dava aulas de explicações, e só se lembrou de lhe dizer – “o que está aqui a fazer, por que não fez os exercícios”, e desatou a correr. E foi assim a sua primeira acção política.
À primeira vista, podia-se prenunciar um futuro de militância num partido de esquerda, mas Virgínia Estorninho refere que sempre detestou o Partido Comunista, não se identificando de todo com aquela corrente política.
No 25 de Abril, a antiga vereadora, e militante do PSD, era secretária da administração da Companhia de Seguros Pátria, em Beja. “Um dia no qual todos estavam eufóricos, mas permaneci na expectativa”, recorda-se.
O seu ingresso no Partido Social Democrata foi natural, quando no dia 27 de Abril, dois dias após a Revolução, ouve uma entrevista de Sá Carneiro na Rádio Renascença. “É isto que eu quero”, lembra-se. Mas a identificação com líder carismático do PSD começou quando trabalhava na Rank Xerox, em Lisboa, e estava incumbida de dactilografar as intervenções de Sá Carneiro para depois serem distribuídas pelas caixas de correio da Avenida Estados Unidos da América, do lado direito.
A sua convivência com Sá Carneiro marcou o seu percurso e as suas escolhas políticas dali em diante. “Nunca fiz fretes a ninguém, ouço o que me têm a dizer dentro do partido, no qual também possuo as minhas preferências. Tenho grandes amigos, mas também inimigos, fruto das vicissitudes do combate político”. Se Sá Carneiro não tivesse morrido tão cedo, tem a certeza que o rumo do país tinha sido diferente porque “era um homem de convicções que não cedia a pressões”.
A par da liberdade que o 25 de Abril construiu, Virgínia Estorninho, e numa comparação entre a Troika nos anos 80 e a de hoje, acredita que o edifício económico do país foi destruído, “foram cometidos muitos exageros”. “O 25 de Abril trouxe coisas muito boas como o acesso da mulher ao voto, a liberdade sindical, a tentativa de melhoria social, mas se tivéssemos seguido o rumo de Espanha não estaríamos nesta situação”.
“Havia um ódio visceral aos ricos, a quem tinha propriedades e casas, assisti a coisas horríveis no Alentejo, de desmantelamento. Assisti a um assalto a uma propriedade em que tapetes persas foram cortados em bocados”.
Foi neste clima, que se recorda de ter estado literalmente com a corda no pescoço. “Em 1975, estava em Beja, na apresentação de uns candidatos às eleições para a Constituinte. Nesse tempo era muito difícil de lutar contra uma esquerda exacerbada e com ódio. A única vantagem era que os homens não batiam em mulheres, e eu nesses casos avançava mais. A nossa sede foi assaltada, e em conjunto com uns miúdos do partido tivemos de fugir. Entrei numa taberna, com os jovens, e os radicais prenderam-nos. Penduram-nos numa corda, com os nossos pés em cima de bancos, que se caíssem…Eu não parava quieta, barafustava. Fiquei com as marcas da queimadura da corda. Até lhes disse que o PPD não tinha uma Catarina Eufémio mas que tinha a Virgínia Estorninho”. Recorda-se que consideravam o seu grupo como os perigosos colaboradores do patronato. Só conseguiu sair com vida daquele episódio porque chegaram uns indivíduos de outra facção, e foram soltos.
“Entretanto cheguei ao comício no Pax Julia. Estavam todos sentados, entrei num dos camarins para tratar de um dos miúdos que ficou ferido. A dada altura invadem o teatro, e muita gente teve de fugir, o professor Marcelo Rebelo de Sousa inclusive. Nessa altura tive uma daquelas minhas ideias loucas, parti o vidro onde estavam as mangueiras de emergência e com a água afastei-os. Mas chegaram os militares e lá fomos presos num daqueles carros militares. Queriam identificar os miúdos mas não deixei”, conta. Na altura tinha só 29 anos de idade- “Sempre enfrentei tudo, nunca fui cobarde”.
A frontalidade acompanhou-a desde sempre, e é uma das principais críticas dentro do seu partido, tendo acusado Durão Barroso de ter abandonado o país, quando deixou o cargo de primeiro-ministro pelo de presidente da Comissão Europeia. Já sobre Passos Coelho, confessa que não era o seu candidato preferido dentro do partido, mas admira-o “pela sua persistência, honestidade e pela sua coragem”, embora reconheça que lhe falta “alguma sensibilidade social”.
O tempo passa é já há 17 anos que Virgínia Estorninho vive em Azambuja. Acusada de na altura ser mais uma paraquedista candidata às autárquicas, por cá tem ficado. Confessa que inicialmente foi por teimosia, “para provar que não fugia logo a seguir”, mas depois porque Azambuja lhe permite “uma outra qualidade de vida para desenvolver o sue trabalho no campo do artesanato”.
A opinião sobre algumas das figuras políticas
Num desafio do Valor Local, Virgínia Estorninho opina da seguinte forma sobre algumas das figuras da política nacional. Começando por Mário Soares: “Já devia ter-se retirado há mais tempo”. Cavaco Silva: “É um homem honesto, que sabe olhar o país e não ir na onda da oposição”. António Guterres: “Nem me aquece nem me arrefece”. Jorge Sampaio: “É meu amigo, por isso tenho algumas dificuldades. Foi um bom presidente de Câmara, não tanto como presidente da República”. José Sócrates – “Esse nem pensar!”. António José Seguro – “É um pateta, um inculto politicamente. Talvez pior do que o Sócrates”. Pedro Santana Lopes – “Sou sua amiga, e está a fazer um ótimo lugar na Santa Casa”. Paulo Portas- “Tem-me desiludido muito, até porque era sua amiga. É um fulano muito inteligente, mas que tem ali um senão, por vezes baralha-se”. Já no campo das figuras locais, e começando por João Benavente, Estorninho diz o seguinte – “É um bom homem, talvez lhe falte um pouco de Cultura”. Joaquim Ramos – “É um amigo, já o conhecia quando ele era director dos espaços verdes na Câmara de Lisboa, e eu presidente de junta do Alto do Pina. Até lhe fiz algumas partidas, como quando coloquei um rebanho de ovelhas na relva da Alameda, cansada que estava de pedir as máquinas. Liguei para a Câmara a referir o caso, e à tarde já lá estavam a tratar finalmente da limpeza”. Luís de Sousa – “Conheço-o mal, apesar de ter estado quatro anos com ele na vereação, parece-me que foi o candidato de recurso do PS”. Virgínia Estorninho sublinha contudo que está muito afastada da política local. “Não tenho idade para pensar em voltar, não me apetece trabalhar (risos). Só me meto em coisas que não me deem muito trabalho”.
Sobre a crise e o futuro confia que o país vai dar a volta por cima. No que toca ao concelho deixa-a triste o estado em que se encontra a vala real, e desaprova ainda a colocação dos pilaretes, “algo que jamais faria”.
Miguel António Rodrigues
edição de abril de 2014
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